As lições não aprendidas da tragédia no Rio Grande do Sul
Giro da Arquivo #329 – Um ano depois, estamos preparados para novas catástrofes?
Um ano depois das enchentes que devastaram o Rio Grande do Sul e atingiram milhões de documentos arquivísticos, quais instituições arquivísticas brasileiras estão preparadas para lidar com os cada vez mais frequentes desastres causados pelas mudanças climáticas?
A pergunta é de resposta quase impossível. O Brasil praticamente não conhece seus arquivos, primeiro e mais óbvio indício da falta de políticas arquivísticas que, a despeito da legislação, ainda assola o país. Como mostramos nas últimas semanas, os dados sobre acervos arquivísticos atingidos pelas enchentes no Sul até hoje são desconhecidos – reflexo da ausência sistêmica de recursos como mapeamentos e inventários, capazes de dar conta da quantidade de massas documentais acumuladas pelos diferentes âmbitos da administração pública.
Sem dados, sem política. E, onde não há política, dificilmente haverá ação. Por todo o Rio Grande, acumulam-se denúncias (às vezes boatos) sobre a eliminação indiscriminada de arquivos alcançados pelas inundações. Ou ainda sobre conjuntos inteiros que, um ano depois, seguem sem qualquer qualquer tratamento – e cada vez mais distantes de qualquer possibilidade de recuperação.
Ainda que o governo federal tenha destinado cerca de R$ 14 milhões de reais para a recuperação de arquivos de 21 órgãos e que o governo do Estado do Rio Grande do Sul tenha inserido arquivistas e conservadores-restauradores no rol de profissionais contratados emergencialmente para ações no mesmo sentido, as medidas atingem apenas uma parte – uma ínfima parte – do problema. E deixam de fora, sobretudo, a esfera mais crítica dos serviços públicos, o âmbito municipal. Ao contrário de outras áreas, os arquivos municipais (institucionalizados ou não) atingidos pela enchente no Rio Grande do Sul até hoje não foram alvo de qualquer política ou ação pública coordenada para sua recuperação. Seguem desassistidos de tudo – do dinheiro às instruções.
Fora do Rio Grande do Sul, a pauta relacionada à prevenção e às ações para contenção de danos causados pelas mudanças no clima também segue distante do universo arquivístico. Passados doze meses desde o colapso no Sul, o Conselho Nacional de Arquivos (Conarq) praticamente não discutiu o tema. Para além de resoluções e cartilhas sobre ações técnicas emergenciais acerca de sinistros como inundações, os organismos responsáveis por debater as políticas arquivísticas do país até hoje não se moveram no sentido de prospectar cenários, analisar alternativas, reunir esforços e traçar linhas de ação para prevenir ou mitigar novos desastres.
Enquanto ações positivas de recuperação – como as que mostramos na semana passada – acumulam uma expertise que poderia ser amplamente compartilhada por todo o país, os arquivos brasileiros seguem sem rumo certo sobre os impactos da crise climática. Sem dados confiáveis, sem ações assertivas, sem capacitar os entes federativos e sem movimento no sentido de estabelecer uma política arquivística efetiva, que seja capaz de se antecipar aos problemas, o Brasil apenas espera pela próxima catástrofe.
Ao longo de todo o mês de maio, RS, um ano depois abordou como o Rio Grande do Sul lida com os efeitos dos danos provocados nos arquivos pela enchente que assolou o estado, em maio de 2024. Se você perdeu alguma edição, confira:
Outros destaques
O Ministério da Gestão e da Inovação (MGI) – órgão ao qual o Arquivo Nacional é subordinado desde 2023 – suprimiu o acesso a mais de 16 milhões de documentos relacionados a convênios entre o governo federal, estados, municípios e ONGs. De acordo com o MGI, a decisão levou em conta a necessidade de garantir a privacidade dos dados pessoais registrados nos documentos. O Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) condenaram a decisão do ministério. Na sexta (23), o MGI anunciou ter desistido da supressão.
O MGI começou a convidar as organizações escolhidas para compor a Comissão Nacional Organizadora da II Conferência Nacional de Arquivos. Ao todo, a Comissão deverá ter 21 representantes. Constam na lista de entidades convidadas, além de órgãos públicos, o Fórum Nacional das Associações de Arquivologia do Brasil (FNArq), o Fórum Nacional de Ensino e Pesquisa em Arquivologia (FEPARQ), a Associação dos Servidores do Arquivo Nacional (ASSAN), a Associação Nacional de História (ANPUH), a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS), a Rede Arquifes, o Armazém Memória e a Rede de Arquivos de Movimentos Sociais.
🤝Parceria
Acesse a PAB! Siga também no Instagram, Facebook e YouTube.
🔰 Brasil
Rio Grande do Sul: Arquivo Nacional visita instalações da UFSM e acompanha a Operação Recupera Arquivo. (Arquivo Nacional)
Paraná: Município busca apoio para preservar memória documental. (Prefeitura de Francisco Beltrão)
Amazonas: Suframa começa medição de massa documental acumulada em parceria com a Ufam. (SUFRAMA)
São Paulo: Como estudantes da USP estão resgatando parte do acervo histórico da Universidade. (Jornal da USP)
Rio de Janeiro: Acervo de enfermeira brasileira que atuou na 2ª Guerra Mundial é exposto pela Casa de Oswaldo Cruz. (O Globo)
Espírito Santo: Municípios compartilham experiências durante roda de conversa sobre o uso do E-Docs. (Arquivo Público do Espírito Santo)
📆 Agenda & Oportunidades
Foram prorrogados os prazos para envio de trabalhos ao 8º Seminário Regional de Arquivos, promovido pela Associação dos Arquivistas do Rio Grande do Sul.
De 10 a 12 de setembro ocorre o II Simpósio da História dos Arquivos e da Arquivologia, na Universidade Federal de Minas Gerais! As submissões de trabalhos vão até 30 de maio.
Em aí o XV Congresso de Arquivologia do Mercosul (CAM). Interessados devem enviar sua inscrição e proposta de apresentação até 30 de maio.
Inscrições abertas para o III Encontro Internacional de Arquivos, Bibliotecas e Museus (ABM): Empreendedorismo e Soluções de Futuro. O evento acontecerá nos dias 09, 10 e 11 de setembro de 2025, em Salvador, Bahia.
Ministério Público do Rio Grande do Sul abre edital de concurso público para arquivista.
🌎 Mundo
Peru: País será o epicentro do Primeiro Encontro de Arquivos de Filmes Amazônicos para redescobrir a Amazônia a partir da perspectiva cinematográfica. (Infobae)
Portugal: Mafra lança concurso público de 7M€ para construção do Arquivo Nacional do Som. (Construir.pt)
Argentina: O governo oficializou a reestruturação do Arquivo Nacional de Memória e do Museu da ESMA. (Filo.news)
Dinamarca: Novo fungo põe em risco acervos de museus na Europa. (The Guardian)
📰 Para ler com calma
O futuro da história: Trump pode deixar menos documentação para trás do que qualquer presidente anterior dos EUA. (Japan Today)
Ditaduras na América do Sul: Uruguai revela documentos históricos do Plano Condor. (Canal 26)
A Coleção de Livros do Banguê, nominada “Memória do Mundo” pela UNESCO está disponível no WikiSource. (WikiSource)
E, para ouvir com calma, a primeira edição da série especial do podcast ECCOA sobre arquivos municipais.
📺 Para ver com calma
Diálogos no Arquivo #2 (Arquivo Histórico Municipal de São Paulo)