O impacto da tragédia no Rio Grande do Sul sobre os arquivos pessoais
Giro da Arquivo #327 – Milhares de gaúchos perderam registros íntimos de suas vidas
As enchentes que assolaram o Rio Grande do Sul há um ano deixaram um rastro de destruição que vai muito além dos arquivos públicos – atingidos em proporções ainda desconhecidas, como mostramos na semana passada. De acordo com dados oficiais, mais de 420 mil casas foram afetadas pela inundação, provocando perdas ou danos significativos em milhares de arquivos pessoais e familiares. Uma catástrofe que ainda hoje gera impactos severos sobre a vida de indivíduos e famílias.
O primeiro e mais imediato dos efeitos provocados pela perda de documentos pessoais foi conhecido logo nos primeiros dias depois da tragédia no RS: com a inundação das residências, milhares de gaúchos perderam documentos pessoais básicos – RG, CNH, carteira de trabalho etc. Quando o nível das águas começou a baixar, em junho de 2024, o Governo do Estado intensificou mutirões para a emissão de segundas vias destes documentos – sobretudo porque dependia deles para identificar e auxiliar a população majoritariamente atingida. Não há números consolidados sobre a quantidade de novos documentos pessoais emitidos, mas, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça, entre os meses de maio e junho de 2024 foram produzidos mais de 63 mil registros civis em todo o estado.
Além dos entraves relacionados à perda de registros civis e de propriedade, os danos causados em arquivos pessoais e familiares desnudaram uma dimensão menos evidente da tragédia: a sensação de luto provocada pela perda ou pelos danos que alcançaram registros da intimidade de gaúchos e gaúchas em todo o estado. Recordações familiares, cartas, fotografias e outros diversos tipos de documentos sem importância jurídica – mas essenciais para a história e a memória de famílias e indivíduos – foram afetados pela inundação, em um processo com profundas implicações psicológicas.
Como destacou a presidente do Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul, Miriam Alves, em entrevista ao portal Sul21, “algumas perdas materiais podem impactar na autoidentificação das pessoas”. Foi o que aconteceu com centenas de indivíduos que perderam grande parte dos registros sobre suas histórias, como Paola Meneghetti, de 27 anos, ouvida por uma reportagem especial da BBC Brasil. Paola morava em Eldorado do Sul, uma das cidades mais afetadas pelas enchentes de maio. A casa onde ela vivia ficou submersa durante 20 dias, provocando perda material quase total. Dentre os objetos afetados, Paola perdeu uma das únicas fotos de seu pai, que faleceu quando ela contava apenas seis anos.
As perdas em acervos pessoais alcançaram desde pessoas comuns até personalidades conhecidas. Até hoje não se sabem detalhes, mas, de acordo com matérias veiculadas pela TV Bandeirantes e pela Folha de S. Paulo, a ex-presidente Dilma Rousseff também perdeu todo o acervo pessoal dos tempos em que ocupava a presidência da República. Os documentos estavam guardados em um galpão do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST), também em Eldorado do Sul. O local teria sido totalmente destruído pelas águas.
Com a finalidade de contribuir para a redução de danos sobre as perdas de documentos pessoais afetados pelas enchentes no Rio Grande do Sul, uma série de projetos têm buscado promover a recuperação de tais registros. Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o Núcleo de Antropologia Visual (Navisual) criou uma iniciativa para ensinar algumas técnicas básicas relacionadas à recuperação de fotografias. No sul do estado, a Universidade Federal de Pelotas e o Instituto Federal Sul-rio-grandense desenvolveram o projeto “Quero minha foto de volta”, que auxilia na recuperação de registros fotográficos afetados pelas águas a partir de técnicas digitais.
Além de projetos nas universidades, ações de indivíduos também têm proporcionado a recuperação de registros de pessoas e famílias. Em São Leopoldo, na região metropolitana de Porto Alegre, o fotógrafo Daniel Fraga passou a recuperar fotos destruídas pela água. Ele é apenas um dos tantos fotógrafos, restauradores, museólogos e arquivistas que têm atuado para devolver ao menos parte da história das vidas atingidas pela maior catástrofe climática da história do Rio Grande do Sul.
Outros destaques
Prorrogada unilateralmente pelo MGI através de um comunicado enviado aos membros do Conselho Nacional de Arquivos (Conarq), a mudança de datas da 2ª Conferência Nacional de Arquivos até agora não foi oficializada pelo Arquivo Nacional. Nem sequer a composição da Comissão Organizadora Nacional do evento foi divulgada. Na semana passada, o Fórum Nacional de Ensino e Pesquisa em Arquivologia fez um debate a respeito das perspectivas da 2ª CNArq (confira na seção “Para ver com calma”).
O Conarq, aliás, segue sem calendário de reuniões. A última vez que o Conselho se reuniu foi em 14 de março. O conselho também não publica suas atas há quase um ano. A última vez em que isso aconteceu foi na reunião ocorrida em 31 de julho de 2024. Depois disso, outras quatro reuniões já foram realizadas.
🤝Parceria
Acesse a PAB! Siga também no Instagram, Facebook e YouTube.
🔰 Brasil
Maranhão: Justiça Federal determina que estado tome medidas urgentes para recuperação de prédio do Arquivo Público. (G1 Maranhão)
Rio Grande do Sul: UFPel desenvolve projeto de preservação e organização do Arquivo Geral da Prefeitura de Pelotas. (UFPel)
Rio Grande do Sul 2: Arquivo Nacional realiza visitas para avançar na criação de unidades regionais. (Arquivo Nacional)
Minas Gerais: Comissão de Direitos Humanos vai ao antigo Dops defender memorial. (ALMG)
📆 Agenda & Oportunidades
15/05, on-line: Webinário "Tomada de Subsídios - Tratamento Automatizado de Dados Pessoais".
O Arquivo Nacional informa que está aberta a Convocatória 2025 do Comitê Regional do Programa Memória do Mundo da Unesco para a América Latina e o Caribe (MoWLAC). (Arquivo Nacional)
Está aberta a chamada para o dossiê “Arquivos no mundo contemporâneo: diálogos entre arquivologia, história e cultura”, da revista Acervo. (Arquivo Nacional)
Prefeitura de Lajeado (RS) abre Processo Seletivo (1 vaga + CR para Arquivista).
Edital de concurso para contratação de colaboradores por tempo determinado da ANPD (com vaga para Arquivologia/Biblioteconomia).
Foram prorrogados até 30 de maio os prazos para submissão de trabalhos ao II Simpósio de História dos Arquivos e da Arquivologia, que acontecerá entre os dias 10 e 12 de setembro, em Belo Horizonte.
Estão abertas até o próximo dia 25 as submissões de trabalhos para o 8º Seminário Regional de Arquivos, promovido pela Associação dos Arquivistas do Rio Grande do Sul.
🌎 Mundo
Alemanha: Pergaminho enterrado na erupção do Vesúvio é decodificado após 2 mil anos. (CNN Brasil)
Argentina: Documentos nazistas são encontrados em arquivos da Suprema Corte. (Exame)
Espanha: Direção Geral de Tráfego (DGT) tem um rombo de 512 milhões de euros em multas que não estão documentadas em seus arquivos. (OK Diário)
Chile: Arquivo Regional de Atacama promove o trabalho com os Ministérios da Justiça e do Desenvolvimento Social para salvaguardar o patrimônio documental do antigo Sename. (El Zorro Nortino)
📰 Para ler com calma
Como os arquivos de filmes canadenses estão lutando para salvar uma cultura quase esquecida. (The Globe and Mail)
Governo minimizou denúncias sobre fraude no INSS recebidas via LAI. (CNN Brasil)
Justiça Federal manda Agência Brasileira de Inteligência (Abin) entregar documentos secretos. (Folha de S. Paulo)
📺 Para ver com calma
O que esperamos da 2ª Conferência Nacional de Arquivos: o lugar da universidade (FEPARQ)