A recuperação dos arquivos atingidos pelas enchentes no Rio Grande do Sul
Giro da Arquivo #328 – Iniciativas buscam mitigar os efeitos da tragédia no estado
Prezado leitor,
Estimada leitora,
No próximo dia 30, o Honório – Grupo de Pesquisas em Políticas Públicas Arquivísticas promove o segundo encontro do Ciclo de Leituras em Políticas Públicas Arquivísticas. Iniciado em abril, o ciclo é uma iniciativa voltada para membros do grupo, com vagas limitadas destinadas à comunidade arquivística. O projeto busca fomentar debates em torno das políticas arquivísticas brasileiras, sobretudo através da recuperação de documentos considerados basilares a respeito do tema.
Na próxima edição, discutiremos o anteprojeto do Sistema Nacional de Arquivos, documento de 1962 (publicado em 1971). O debate será conduzido pelo professor Paulo Alencar (UnB), integrante do Honório e autor de trabalhos de referência sobre a história da Arquivologia no Brasil.
Se você tem interesse em participar do debate, inscreva-se neste link. As vagas são limitadas (25 para os primeiros inscritos), então aproveite.
Saudações arquivísticas,
Os editores
Quando a água subiu até perto do teto do subsolo então ocupado pelo Departamento de Arquivo Geral (DAG), no edifício da reitoria da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), a sensação foi de perda total. Ocupado por cerca de 12 mil caixas contendo documentos basilares sobre a trajetória da instituição, o local foi inteiramente tomado pelas águas que ultrapassaram a margem de um pequeno riacho ao lado do prédio, na manhã de 30 de abril de 2024.
Quem viu de perto a inundação, jamais a esquecerá. Em meio ao caos provocado pelo sinistro, móveis e caixas com documentos flutuavam como em uma cena de naufrágio. Em uma das salas, um conjunto de grossas encadernações encharcadas boiaram por sobre as prateleiras de um arquivo deslizante. Horas depois, quando o local foi seco, os livros formariam uma espécie de viga composta por papel molhado – e quase impossível de ser retirada do local.
O arquivo da UFSM foi o primeiro de centenas de outros a serem atingidos pelas enchentes do Rio Grande do Sul, ocorridas um ano atrás. Nos meses seguintes, ele se tornaria também um dos poucos a serem realmente recuperados.
Os trabalhos começaram cedo, praticamente no mesmo dia da inundação. Com o auxílio de servidores e discentes da universidade, militares e voluntários, o DAG capitaneou uma força-tarefa de proporções gigantescas. À frente da Operação Recupera Arquivo UFSM, arquivistas do departamento optaram por congelar os documentos atingidos – protocolo indicado em situações de emergência como aquela. Orientado pelo Arquivo Nacional, o congelamento cumpriu duas funções básicas: evitar que a ação de microrganismos danificasse ainda mais os documentos molhados e dar tempo para a montagem de uma estrutura de recuperação.
A segunda função, inclusive, superou qualquer expectativa. A partir de uma força-tarefa liderada pelo próprio DAG, nos meses seguintes ao sinistro a UFSM montou o espaço Transdoc. De acordo com a própria instituição, o Transdoc “é a primeira estrutura no Brasil dedicada à recuperação emergencial de grandes volumes documentais atingidos por enchentes”. “Ele atua como HUB transdisciplinar, reunindo especialistas de diversas áreas” – complementa a UFSM.
No Transdoc, os documentos da UFSM atingidos pela inundação de maio de 2024 passam por um rigoroso processo de recuperação. O trabalho começa com o descongelamento e a estabilização dos originais, seguida por etapas de higienização, secagem, digitalização e reacondicionamento. De acordo com o DAG, no total 142 pessoas trabalham na recuperação – incluindo 71 bolsistas. Os recursos do projeto advém de verbas da própria UFSM e do Ministério da Gestão e da Inovação, por meio de termos de execução descentralizada geridos pelo Arquivo Nacional. Um projeto de R$ 2 milhões, aprovado junto à Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), deve complementar o investimento em breve.
Diferentemente de todas as instituições, o Transdoc da UFSM é a única iniciativa transparente sobre os arquivos recuperados até hoje. No portal do HUB, é possível consultar um painel atualizado em tempo real sobre a quantidade de documentos afetados pela enchente, os volumes recuperados e a evolução da recuperação. Além dos arquivos da UFSM, a partir dos últimos meses de 2024, o Transdoc também recebeu acervos de outros nove órgãos federais atingidos pela enchente (todos em Porto Alegre). No total, o espaço conta atualmente com 36.450 caixas atingidas – 2.271 delas recuperadas até o fechamento desta edição.
Até hoje, nem o Arquivo Nacional, nem o Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul, contam com um painel de monitoramento sobre a situação dos arquivos afetados pela enchente no Rio Grande do Sul. E nem sobre o destino exato do dinheiro investido nos projetos de recuperação. Na semana passada, o APERS até divulgou uma atualização da nota técnica divulgada no ano passado, sobre o tema. A instituição, contudo, ainda não publicou o quantitativo de acervos recuperados.
Como ressalta a arquivista Débora Flores, que coordena os trabalhos no Transdoc, a recuperação dos arquivos – da UFSM e dos demais órgãos atendidos no espaço – é fundamental. “Esses documentos representam garantias de direitos aos cidadãos” – avalia.
A quase 270 quilômetros de Santa Maria, na cidade de Arroio dos Ratos, na região carbonífera do Rio Grande do Sul, a luta é pelo resgate de um dos mais importantes conjuntos de fontes para a história do estado. Em maio do ano passado, os fundos documentais do chamado Arquivo Histórico da Mineração, custodiados pelo Museu Estadual do Carvão, também foram amplamente atingidos pelas enchentes. Datados do início do século e organizados com recursos da Lei de Incentivo à Cultura, a partir de 2014, os documentos foram duramente afetados pela água barrenta que tomou conta das instalações do Museu. No total, 700 caixas foram atingidas. O sinistro foi um dos primeiros noticiados pelo Giro da Arquivo.
Inicialmente congelados, os documentos do Arquivo Histórico da Mineração passaram por um longo tratamento inicial tendo em vista a recuperação de sua integridade física. A partir do emprego de ozônio através de câmaras de secagem e desinfecção, a documentação voltou às condições mínimas de conservação, podendo ser manuseada novamente sem maiores obstáculos. O desafio das próximas etapas consiste em recuperar a organicidade dos fundos – duramente atingida pelo processo de recuperação – e encontrar as melhores condições de guarda para o acervo.
Onde começou e é conduzido com agilidade, competência e transparência, o processo de recuperação dos arquivos atingidos pelas enchentes no Rio Grande do Sul avança – ainda que entremeado por desafios dos mais diversos. Infelizmente, entretanto, são poucos os casos neste sentido. Além da imprecisão sobre a quantidade dos arquivos afetados pela tragédia gaúcha, são escassas as informações que se referem aos processos de recuperação dos acervos atingidos – opacidade que dá margem às mais diversas possibilidades, com especial ênfase para a contratação de serviços terceirizados sem a devida expertise técnica e a eliminação irregular de arquivos sob a desculpa da incapacidade de recuperá-los.
Outros destaques
Na surdina, o diretor de Gestão de Documentos e Arquivos do Arquivo Nacional, Jean Camoleze, foi exonerado no último dia 30. Camoleze ficou no cargo pouco mais de um ano. Ele foi substituído por Paola Rodrigues Bittencourt, a terceira pessoa a ocupar o cargo desde 2023.
O Grupo de Trabalho sobre Arquivos e Direitos Humanos da Associação Latino-Americana de Arquivos se pronunciou sobre a extinção do Instituto Nacional de Transparencia, Acceso a la Información y Protección de Datos Personales (INAI), do México. O GTADDHH pediu ao governo mexicano que respeite a legislação arquivística do país, entregando os documentos do instituto às autoridades competentes.
Foi lançado no último dia 28, pela Associação de Arquivistas de São Paulo (ARQ-SP), o livro Associativismo no Brasil: arquivistas em movimento. Com quase 800 páginas, a obra, de autoria de Katia Isabelli Melo e Rita de Cássia São Paio, conta a história das associações de arquivistas do país – um resgate importantíssimo e que ainda faltava. O livro foi lançado em formato e-book e está disponível para download gratuito no site da ARQ-SP.
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🔰 Brasil
Sergipe: MPF e UFS iniciam projeto preservação de arquivos históricos. (Click Sergipe)
Brasília: Ministério da Gestão restringe acesso a informações sobre emendas após parecer da AGU, que nega necessidade de sigilo. (O Globo)
Rio de Janeiro: Inscrições para a 9ª Semana Nacional de Arquivos são prorrogadas até 23 de maio. (Arquivo Nacional)
Rio Grande do Sul: um ano depois da enchente, prefeitura de Porto Alegre desconhece dimensão dos danos em documentos públicos. (Matinal)
📆 Agenda & Oportunidades
Mais um curso livre promovido pela ARQ-SP em parceria com a ANPUH-SP e o CAPH/USP.
Nos dias 25, 26 e 27 de junho de 2025 acontece na Argentina o VII Encuentro de Archivos Universitarios. Submissão de resumos aberta até 2 de junho.
DECIN divulga programação da 2ª Reunião de Arquivologia do Rio Grande do Norte.
De 10 a 12 de setembro ocorre o II Simpósio da História dos Arquivos e da Arquivologia, na Universidade Federal de Minas Gerais! As submissões de trabalho vão até 30 de maio.
Nos dias 4, 5 e 6 de junho de 2025, acontecerá o 8º Seminário Regional de Arquivos. O evento ocorrerá em Porto Alegre e abordará o tema "Arquivos, crise climática e sustentabilidade: desafios para a reconstrução do Rio Grande do Sul". As submissões de trabalho estão abertas até 25 de maio!
Estão abertas as inscrições para o Credenciamento Docente do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal do Rio Grande.
🌎 Mundo
Inglaterra: Harvard descobre que pagou US$ 27 por arquivo histórico de valor inestimável. (Folha de S. Paulo)
Síria: Operação do Mossad recupera 2.500 documentos de espião Eli Cohen. (RTP)
Argentina: Avós da Plaza de Mayo se unem à inteligência artificial para procurar seus netos. (El País)
Armênia: Arquivista processado por alta traição. (Azatutyun)
📰 Para ler com calma
Fitas de nitrato, VHS e streaming. Por trás do mundo iminente da mídia perdida da Austrália. (ABC)
Entre arquivos e afetos, documentário ‘Rita Lee: Mania de Você’ celebra vida da Rainha do Rock. (Metro1)
O papel washi do Japão é usado para consertar documentos históricos nos Arquivos Nacionais dos EUA e em museus estrangeiros. (Vietnam News)
📺 Para ver com calma
Seminário Nacional de Acesso à Informação (Controladoria Geral da União)