Um mês de caos no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro
Giro da Arquivo #309 | Em menos de trinta dias, instituição mudou de direção, foi lacrada e reabriu. Governo ainda não escolheu novo diretor
O Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ) segue vivendo dias difíceis. Há cerca de um mês, o órgão protagoniza uma das situações mais insólitas já vivenciadas por uma instituição arquivística brasileira.
A história começou nos primeiros dias de dezembro, quando o governador Claudio Castro (PL-RJ) nomeou o advogado Victor Travancas para dirigir o APERJ. Até então, Travancas era subsecretário de Gabinete de Castro e, há meses, travava uma disputa interna com integrantes do governo.
Como o Giro noticiou em 10 de dezembro, inicialmente Travancas não aceitou o cargo. Entretanto, dias depois da nomeação, o advogado voltou atrás. Sua posse, no final de 2024, deu início a uma série de decisões, comunicados e desmentidos que só fizeram crescer as dúvidas em torno das reais condições da instituição.
Na segunda (6), Travancas ordenou a suspensão das atividades do APERJ por “tempo indeterminado”. Em comunicado distribuído à imprensa e através de redes sociais, o diretor informou que “a decisão foi motivada pelas condições críticas da sede do Arquivo, que apresenta risco iminente de desabamento e incêndio”. A nota também salientou que o prédio não possui “alvará de funcionamento emitido pelo Corpo de Bombeiros, expondo funcionários, colaboradores e pesquisadores a graves perigos”.
No dia seguinte ao anúncio, a sede do APERJ foi lacrada com fitas de isolamento e cartazes de alerta sobre os supostos riscos alegados pela direção-geral.
Na quarta (08), o Governo do Estado exonerou Travancas e ordenou a reabertura do APERJ. Em uma nova nota, a Secretaria de Estado da Casa Civil afirmou que a decisão de fechar a instituição foi unilateral e partiu do próprio diretor. A Secretaria também alegou que “o prédio do Arquivo não oferece risco estrutural” e que o prédio passou por intervenções recentes de impermeabilização, pintura, assentamento e polimento dos pisos. A Casa Civil do Rio garantiu, ainda, que a sede da instituição conta com Laudo de Exigências e Certificado de Aprovação do Corpo de Bombeiros.
A exoneração de Travancas e os desmentidos do Governo não arrefeceram os ataques do agora ex-diretor. Em tom teatral – e sempre sob a alegação de combate à corrupção –, o advogado acionou o Ministério Público Estadual. Ele alega a existência de 26 funcionários fantasmas no APERJ e continua acusando o governo de negligência com a infraestrutura da sede do órgão. Em uma das denúncias mais graves, Travancas acusa o Governo de não garantir as condições de preservação de acervos relacionados à ditadura civil-militar (1964-1985), incluindo documentos do ex-deputado Rubens Paiva.
Acontece que, para além da confusão causada pelas denúncias de Travancas, o imbróglio em torno do fechamento do APERJ também tem demonstrado certo despreparo dos meios de comunicação que acompanham o caso. A rádio CBN, que fez uma das reportagens mais extensas sobre a situação do APERJ, noticiou, por exemplo, que documentos de Rubens Paiva estariam se deteriorando na sede da instituição. O problema é que um dos documentos apontados na reportagem e identificado como sendo de parte do arquivo do ex-deputado não corresponde aos registros de Paiva.
Nos últimos dias, a situação do APERJ também motivou manifestações da comunidade arquivística. Na quarta (8), o Fórum Nacional de Ensino e Pesquisa em Arquivologia (FEPARQ) publicou uma nota em que manifesta “profunda preocupação com a situação do Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro” e pediu providencias a respeito. Já na sexta (10), foi a vez da Associação de Arquivistas do Estado do Rio de Janeiro (AAERJ) se manifestar (em conjunto com a ANPUH-RJ). Em nota, a entidade afirmou que seria “oportuno que o APERJ fosse comandado por um profissional com formação técnica e em gestão pública, e não fizesse parte de uma troca política” e que torce para “que 2025 possa inaugurar uma outra maneira de se exercer a política arquivística no Estado, mais profissional e menos casuística”.
Ontem (13), o “presidente substituto” do Conselho Nacional de Arquivos (Conarq), Jean Camoleze, convocou uma reunião extraordinária do colegiado para debater a situação do APERJ. A reunião deve ocorrer amanhã (15), às 15h.
Outros destaques
Enquanto o Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro vive dias atribulados, o Arquivo Geral da Cidade do Rio, que até o ano passado integrava a Secretaria Municipal de Governo e Integridade Pública, foi transferido para a Secretaria da Cultura e está sem direção.
Por falar em direção, ainda não há novidades sobre quem vai assumir o comando do Arquivo Nacional – a atual diretora do órgão, Ana Flávia Magalhães Pinto, anunciou que sairá do cargo em fevereiro. Na semana passada, o Fórum Nacional das Associações de Arquivologia (FNArq) publicou uma carta aberta dirigida à ministra da Gestão e da Inovação, Esther Dweck. O fórum defende que a direção do AN seja ocupada por profissional “experiente e comprometida com a missão” da instituição e que a escolha seja realizada por meio de chamada pública.
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🔰 Brasil
Rio Grande do Norte – Após denúncia, Polícia Civil de Santa Cruz faz busca em depósito que contava com arquivos da Prefeitura e funcionários da antiga gestão. (Portal R Santos)
Pernambuco – ‘Faltou atenção nos últimos 30 ou 40 anos’, diz diretor do Arquivo Público. (Jornal do Comércio)
Rio Grande do Sul – Consulta interna e externa sobre a atualização dos Instrumentos de Gestão Documental do Poder Executivo do RS. (APERS)
Arquivo Nacional e Dataprev iniciam levantamento para desenvolver Sigad dos órgãos federais. (Arquivo Nacional)
Arquivo Nacional seleciona consultor/a para elaborar instrumento de Mapeamento de Arquivos Comunitários no país. (Arquivo Nacional)
📆Agenda & Oportunidades
28 a 30/01, online: Curso “Valorar documentos en el siglo XXI: del modelo taxonómico a la valoración funcional”.
Até 16/01: limite de submissão de trabalhos para o Congresso Internacional de Arquivos.
🌎 Mundo
Estados Unidos – Trump promete substituir o chefe dos Arquivos Nacionais quando o principal promotor no caso dos documentos confidenciais deixar o Departamento de Justiça. (NBC News)
Catar – Parceria entre o Arquivo Nacional e a UNESCO para fortalecer a proteção de arquivos na região árabe. (Gulf Times)
Itália – Arquivo do Estado de Emilia-Romagna luta para preservar documentos históricos. (Italianismo)
Peru – US$ 13 milhões destinados para construir novo Arquivo Geral da Nação. (La Vanguardia)
Tchecoslováquia – Arquivo de filmes antigos agora pode ser visto gratuitamente no YouTube. (Global Voices)
📰 Para ler com calma
Arquivo digital corrompido não pode ser usado no processo penal, diz STJ. (Consultor Jurídico)
Sem arquivos, sem documentos: os riscos jurídicos da preservação da arquitetura sem seus acervos. (Jornal da USP)
Operacão CHAOS: os arquivos da CIA que revelam a espionagem a ativistas latinos dos EUA nos anso 70. (El Observador)
📺 Para ver com calma
¿Soy sujeto obligado y ahora qué? (Archivo General del Estado de Guanauato).