Há um ano sob nova presidência, Conarq enfrenta um de seus piores momentos
Ano VI – Edição 269
No último domingo (17), a diretora-geral do Arquivo Nacional e presidenta do Conselho Nacional de Arquivos (Conarq), Ana Flavia Magalhães Pinto, completou um ano a frente dos cargos. Historiadora de formação e sem experiência na gestão de instituições arquivísticas até então, a diretora chegou aos órgãos em um momento considerado promissor: depois de anos em posição de pouco destaque, no início do governo Lula, AN e Conarq foram repassados para uma pasta estratégica da administração, o Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI).
Desde então, a história do Arquivo Nacional tem sido contada entre o mundo perfeito da propaganda oficial e as denúncias e críticas que pululam por todas as partes – geralmente originadas desde dentro do órgão, por servidores que até hoje parecem incrédulos com o espiral de desmandos e desmontes a que o órgão está acometido desde 2016. Com menos orçamento do que em anos anteriores, um arremedo de planejamento, paralisia de projetos importantes e até denúncias de assédio, o último ano tem sido difícil para a maior e principal instituição arquivística do país.
Do que pouco se fala – e cá no Giro temos buscado acompanhar de perto – é do estado atual do Conselho Nacional de Arquivos. Criado em 1991, como órgão central do Sistema Nacional de Arquivos (SINAR) com a atribuição de definir a política nacional de arquivos, o Conarq só foi efetivado em 1994. Sempre vinculado (e dependente) do Arquivo Nacional, o Conselho é presidido por quem dirige a instituição; não tem servidores, infraestrutura e nem orçamento próprio; já passou por diversas reformulações; e, definitivamente, até hoje não conseguiu cumprir sua missão institucional.
Quem achava, contudo, que este quadro poderia mudar com a nova presidência e o reposicionamento do órgão, se enganou. No último ano, o Conarq parece ter perdido ainda mais sua capacidade de proposição e realização. Sob os auspícios do MGI, o Conselho até conseguiu ter alguns avanços – como a realização das reuniões ordinárias presenciais, que não aconteciam mais desde 2019. Entretanto, são parcas as entregas do Conarq nos últimos doze meses.
Alguns números e indicadores são bastante eloquentes a respeito da quase paralisia do órgão. No último ano, o Conarq publicou quatro resoluções (de números 51, 52, 53 e 54), mas todas elas haviam sido discutidas em 2022 – portanto, durante a presidência que antecedeu à atual. Nos últimos doze meses, nenhuma resolução nova foi debatida pelo plenário do Conselho.
O que também ficou pelo caminho foi o planejamento estratégico do órgão. Depois de discutir à exaustão os resultados (ou a ausência deles) do planejamento estratégico do triênio 2021-2023, o Conarq não se deteve na elaboração de um novo documento norteador para os próximos anos – voltando aos tempos em que o Conselho simplesmente não tinha planos. Aliás, até agora nem sequer um documento de análise geral sobre os objetivos vencidos e não cumpridos do planejamento anterior foi publicado.
Novas câmaras consultivas também não foram criadas nos últimos doze meses. E a que existe – criada em 2022, com a “finalidade de elaborar diretrizes para o tratamento técnico de acervos relacionados à arquitetura e ao ambiente construído” –, ainda não teve espaço e tempo para apresentar os resultados de seus trabalhos (que parecem existir) ao plenário.
No que diz respeito a uma das mais importantes atribuições do Conarq, a declaração de interesse público e social de arquivos privados, também não há grandes avanços. No último ano, o Conselho deliberou sobre três acervos em tais condições – o do etnomusicólogo Spirito Santo, o do professor Egon Schaden e o da Central Única dos Trabalhadores (este último à espera da oficialização da declaração há mais de dez anos). O plenário considerou que os três acervos atendiam aos critérios de interesse público e social, mas até hoje as declarações não foram oficializadas junto ao Ministério da Gestão e Inovação. Aliás, nem mesmo os instrumentos legais do Conarq foram atualizados junto ao MGI. Na letra fria da lei, quase tudo do Conselho ainda se remete ao Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Todas as ausências e atrasos do Conarq poderiam se justificar pelos esforços do Conselho para realizar a II Conferência Nacional de Arquivos (Cnarq), uma antiga aspiração da comunidade, prometida há anos. Só que também a Cnarq virou um problema para o Conselho. Em junho, a presidência do órgão propôs a criação de um Comitê Impulsor para elaborar o projeto-piloto da conferência. O comitê deveria ter entregado o projeto em setembro, mas o trabalho não foi finalizado. Em fevereiro, a presidência do Conselho apresentou uma minuta de composição das comissões organizadora e executiva da Cnarq, documento que não havia sido discutido anteriormente pelo comitê. Desde então, presidência e conselheiros travam um embate público em torno da minuta. O Plenário do Conarq quer que o Conselho seja responsável pela escolha da comissão organizadora da Cnarq, a exemplo do que acontece nas demais conferências nacionais; já a presidência do órgão quer que a maior parte dos nomes da comissão seja escolhida pelo Arquivo Nacional (logo, por ela própria). Enquanto a disputa entre presidência e representantes do governo e da sociedade civil no Conselho não chega a termo, seguem no ar as dúvidas sobre se e quando acontecerá a II Cnarq.
Ao longo dos últimos trinta anos, a comunidade arquivística brasileira buscou no Conarq uma via para o estabelecimento efetivo de políticas públicas arquivísticas no país. Vinculado ao AN – à revelia do que pensa e quer a maior parte do setor –, o Conarq não só deixou de atender às expectativas geradas pela Lei de Arquivos, como perdeu muito de seu relativo prestígio – a duras penas conquistado em três décadas. Em breve, o Conselho deverá escolher seus novos membros – um processo que colocará em debate, uma vez mais, a preponderância do governo (via Arquivo Nacional) na escolha dos componentes do plenário. Um momento que, a julgar pelo que se viu nestes últimos doze meses, exigirá atenção e combatividade contra os desmandos de quem deseja controlar o que pensa e como age o “órgão central” do Sistema Nacional de Arquivos brasileiro.
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BRASIL
Há um ano no cargo, a diretora-geral do Arquivo Nacional gravou um vídeo a respeito das realizações de sua gestão. No pronunciamento, Ana Flávia Magalhães Pinto destacou um “programa de aceleração do Sistema de Gestão de Documentos e Arquivos (Siga)” sobre o qual nada se viu até agora. A diretora também salientou o acordo entre AN e Dataprev para a digitalização de acervos e a viabilização das condições para a realização da II Cnarq – que ela continua atribuindo ao Arquivo Nacional, e não ao Conarq.
Enquanto isso… No último dia 12, foi publicado o Decreto nº 11.946, que “institui o Programa Nacional de Processo Eletrônico” (ProPEN). O decreto abre as portas para a implementação do contestado SEI nos estados e municípios. De acordo com o decreto, as soluções do ProPEN serão disponibilizadas pelo Ministério da Gestão e da Inovação, por meio da Secretaria de Gestão e Inovação. O Arquivo Nacional, que também é uma secretaria do MGI, não é mencionado no decreto.
A direção-geral do AN não se manifestou à respeito do decreto, mas a ex-diretora do órgão durante parte do governo Bolsonaro, Neide de Sordi, fez comentários sobre o ProPEN. De Sordi disse que, ao implantar o SEI em todo o país, o programa compromete “nacionalmente a gestão de documentos públicos e a memória institucional” do país. A ex-diretora também lamentou a descontinuidade do Super.BR, alternativa ao SEI elaborada pelo extinto Ministério da Economia entre os anos de 2019 e 2020 – e que nunca chegou a ser tornada pública.
Depois de todos o desmontes promovidos pelos governos de Temer e Bolsonaro, beira o inacreditável constatar a aceleração da perda de protagonismo do AN junto à gestão de documentos públicos justamente quando o órgão está em seu melhor posicionamento junto à administração.
Apesar dos pesares… Os servidores do AN seguem produzindo verdadeiras obras de referência para a Arquivologia brasileira. Na semana passada, o órgão lançou Orientações para o estudo de funções. A publicação, de autoria de Dilma Cabral e Angélica Ricci Camargo, com colaboração de Louise Gabler, “apresenta um roteiro para o desenvolvimento de estudos de função/subfunção, com vistas à elaboração de códigos/planos de classificação e tabelas de temporalidade”. Pra baixar e usar à vontade"!
Com a palestra “Governança arquivística: de noção emergente a campo de estudos da Arquivologia contemporânea”, ministrada por José Maria Jardim, foi oficialmente inaugurado na última sexta (15), o Programa de Pós-Graduação em Gestão de Documentos e Governança Arquivística (UEPB/UFPB), segundo curso de mestrado em Arquivologia no Brasil.
O acervo pessoal do cantor e compositor Chico Science (1966-1997) passou por um processo de “catalogação e digitalização” e agora pode ser acessado em um portal desenvolvido pela família do artista.
AGENDA
21/03, no Rio: aula aberta de "Introdução a preservação de documentos".
25/03, online: lançamento do site oficial e dos editais do X Congresso Nacional de Arquivologia.
26/03, online: a Seção de Arquivos de Universidades e Instituições de Investigação (SUV) do Conselho Internacional de Arquivos promove mais uma sessão de seu grupo de discussão.
OPORTUNIDADES
Concurso para a Prefeitura de Joinville (SC) com uma vaga para "Arquivologista".
MUNDO
O United States Holocaust Memorial Museum dos Estados Unidos e a Fondazione Polanco ETS, da Itália, firmaram um acordo de cooperação para partilhar e digitalizar os arquivos jesuítas de antes, durante e depois da Segunda Guerra. A ideia é ampliar as investigações sobre o holocausto a partir dos documentos.
O exército do Sudão conseguiu recuperar o prédio onde funcionam a rádio e a TV públicas do país. A retomada ocorre em meio à guerra civil que assola o país e reacendeu as esperanças de que os arquivos custodiados no local tenham sido preservados.
Ainda enrolado com o caso dos arquivos secretos indevidamente levados para sua casa, o ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, depôs sobre o caso na última quinta (14). Os advogados de Trump pedem que as acusações contra o ex-presidente sejam retiradas.
O National Archives do Sri Lanka disponibilizou para consulta pública sua proposta de lei nacional de arquivos e gestão de documentos. A ideia é colher contribuições visando aprimorar a legislação do país.
Apresentada em nossas plagas como a nova Meca da Arquivologia, a Austrália está prestes a vivenciar um desastre arquivístico. É o que dizem os arquivistas do país, alarmados com a estratégia de governo digital e de dados adotada pelo governo australiano. De acordo com uma auditoria lançada ainda em 2019, um dos principais problemas continua sendo a avaliação de documentos.
PARA LER COM CALMA
Descobrindo o Acervo: terras em disputa (via Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul).
The Arolsen Archives: mantendo viva a história do Holocausto (em inglês, via IranWire).
O UK Fetish Archive revela seus segredos (em inglês, via Dazed).
PARA VER COM CALMA
Documenta SP: Arquivo Público do Estado de SP (via Alesp).