No dia 26 de dezembro de 2023, a direção-geral do Arquivo Nacional publicou a Portaria AN nº 135, que aprova o Planejamento Estratégico do órgão para o quadriênio 2024-2027. De acordo com o dispositivo, os “documentos essenciais” para a compreensão do planejamento seriam “disponibilizados na intranet e na internet”, através do website da instituição. Dias antes da publicação, a diretora do AN já havia apresentado o planejamento aos gestores do órgão.
Entretanto, quem ficou interessado em conhecer os detalhes do planejamento estratégico da principal instituição arquivística do país se surpreendeu. Ao abrir os arquivos disponibilizados pelo próprio AN no endereço indicado pela portaria, tudo o que se pôde ver foram três slides – ou, como preferiu a instituição, três mapas: um mapa estratégico, um mapa de OKR (Objectives and Key Results) e um mapa de iniciativas.
Quem primeiro opinou publicamente sobre os documentos disponibilizados foi o professor José Maria Jardim, principal autoridade brasileira no tema das políticas públicas arquivísticas. Em 17 de janeiro, via Twitter, Jardim pontuou que as representações visuais divulgadas pelo Arquivo Nacional traziam “objetivos muito genéricos” e que, se a instituição divulgasse a íntegra dos documentos que embasaram o planejamento, talvez fosse possível “ter uma visão mais ampla a respeito”.
Jardim também atentou para o fato de que o planejamento divulgado não previu nenhuma meta sobre “a ampliação do quadro de recursos humanos e um plano de carreira para a instituição”. O pesquisador ainda questionou, entre outros aspectos, a ausência de um programa de recolhimento de documentos, bem como a proposta de “desenvolver ações de reconhecimento de arquivos comunitários” – prevista nos slides do planejamento. Esta última atividade seria uma atribuição do Conselho Nacional de Arquivos, e não do AN.
Poucos dias depois das reflexões de Jardim, o Giro da Arquivo protocolou um pedido junto ao Fala.BR, solicitando a íntegra de todos os documentos referentes ao planejamento estratégico lançado pelo Arquivo Nacional. No dia 19 de fevereiro, um dia antes do encerramento do prazo legal para resposta, o Ministério da Gestão e da Inovação respondeu à demanda. Na resposta, o MGI indicou que “as informações sobre o Planejamento Estratégico do Arquivo Nacional (2024-2027) estão disponíveis no sítio eletrônico do Arquivo Nacional”. Ou seja: os três slides eram mesmo tudo o que havia sobre o planejamento.
O retorno do MGI, aliás, veio acompanhado por um adendo defensivo: de acordo com o Ministério, por estar na Internet, a indicação de um site “não pode ser interpretada como negativa de acesso à informação”.
A fim de ter acesso a qualquer documento minimamente similar ao que se esperaria de um planejamento estratégico, a equipe do Giro recorreu novamente ao Fala.BR. Em nossa segunda tentativa, solicitamos “documentos públicos relacionados à preparação, às definições gerais, às justificativas e aos estudos prévios ao Planejamento Estratégico”, além “de relatórios, atas/registros de reuniões preparatórias e/ou quaisquer documentos produzidos/acumulados durante o processo que resultou no material tornado público”.
Nosso recurso foi indeferido. Na justificativa, a direção-geral do AN declarou que era impossível dar acesso aos registros solicitados, “tendo em vista não terem sido produzidos documentos desta natureza”. Uma vez mais, a principal instituição arquivística do país admitiu não ter nada mais que os três slides divulgados em dezembro.
Só que, no dia 20 de fevereiro de 2024 – um dia depois de responder ao primeiro pedido via LAI do Giro da Arquivo – o Arquivo Nacional editou a página que apresenta seu planejamento estratégico. Os três slides que já eram conhecidos ganharam a companhia de outros dois: uma “cadeia de valor” e um “guia: como ler este material”. O novo conteúdo, contudo, trouxe poucas novidades em relação ao anterior.
Diferentemente dos planejamentos estratégicos do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan, 27 páginas), da Biblioteca Nacional (20 páginas) e do próprio AN no quadriênio anterior, desta vez não há apresentação, metas, projetos previstos, finalidades e, especialmente, prazos. No plano sem plano apresentado semanas atrás, tudo é mais vago e amplo. Sem falar em várias propostas que, mesmo carentes de uma descrição mínima, sinalizam atribuições legais que transcendem ou extrapolam as do Arquivo Nacional.
No mundo todo, documentos de planejamento estratégico representam a essência da ação governamental sobre as instituições arquivísticas. Na América Latina, mesmo em países de acanhada tradição arquivística, estes documentos são elaborados e difundidos com zelo e entusiasmo. Na Colômbia, onde o planejamento estratégico é bianual, o Archivo General de la Nación prepara um documento que traz metodologia, fundamentação legal e perspectivas táticas e operacionais. Na Argentina, o “plan operativo” do AGN apresenta 18 páginas e prevê metas, prazos e indicadores de desempenho. Os planos chileno (51 páginas) e mexicano (19 páginas) também são bons exemplos latino-americanos de planejamento estratégico.
Por aqui, o quadro atual chega a ser constrangedor. É bem verdade que o melhor planejamento é aquele que cumpre seus objetivos – e neste ponto nenhum plano brasileiro lançado até hoje foi realmente eficiente. Mas planejar, ainda mais em tempos de união e reconstrução, é essencial. E planejar bem, com nitidez e transparência sobre onde se deseja chegar, mais ainda.
#SNGA2024
Hoje, a partir das 19h, via YouTube. Não perca!
BRASIL
O Arquivo Nacional e a Secretaria de Patrimônio da União (SPU) assinaram, na última quarta (28), um termo de rerratificação que adiciona uma área de mais de 700m² à unidade regional do AN em Brasília. De acordo com a instituição, o termo permitirá a ampliação dos recolhimentos na capital.
Também na quarta (28), a Biblioteca Nacional anunciou o historiador Luciano Figueiredo como novo coordenador do Projeto Resgate Barão do Rio Branco, dedicado à catalogação e reprodução de documentos do período colonial.
O Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul vai completar 118 anos no próximo dia 8 de março. Como é tradicional, haverá programação especial. Confira!
Por muito pouco o acervo do sambista Elton Medeiros não foi parar no lixo. Os documentos estavam no apartamento do compositor, no Rio, e foram doados ao Instituto Moreira Salles.
A Conferência Nacional de Arquivos segue no radar da comunidade. Na sexta (01), a presidência do Conarq encaminhou aos conselheiros a minuta que foi discutida na reunião do dia 21 de fevereiro. O documento – que não chegou a ser analisado pelo plenário – sofreu alterações. De quebra, a presidência enviou, também, uma nova versão da minuta e um conjunto de "memórias" do trabalho do Comitê Impulsor. O Conarq discutirá os documentos – que só foram divulgados entre os conselheiros até agora – no próximo dia 13.
O Giro teve acesso à documentação. As minutas podem ser lidas aqui e aqui. A "memória" do Comitê Impulsor também está disponível. Já que a presidência do Conarq não é muito transparente, nos esforçamos para ser.
A propósito, o professor Francisco Cougo, coordenador do projeto Giro da Arquivo, fez uma análise minuciosa sobre o conteúdo da primeira versão da minuta. Confira.
E, por falar em conferência, vai até sexta, em Brasília, a 4ª Conferência Nacional de Cultura, promovida pelo Ministério da Cultura. Para constrangimento geral, o Arquivo Nacional não consta entre as instituições que compõem a Comissão Organizadora do evento. O Giro acompanha a conferência de perto e trará a cobertura completa na edição da próxima terça.
AGENDA
08/03, em formato híbrido: 1º Colóquio Arquivos de Arquitetura.
08/03, online: Webinar ICA/ALA - Arquivos Deslocados e patrimônio comum na América Latina.
13/03 a 15/05, em formato virtual: curso Documentos digitais: gestão, preservação e acesso.
15/03, em São Paulo: Oficina Conservação Preventiva de Acervos em Papel.
15/03, em João Pessoa (PB): aula inaugural do PPGDArq (UEPB e UFPB) "Governança Arquivistica: de noção emergente a campo de estudos da Arquivologia Contemporanea", com José Maria Jardim.
18 a 20/03, no Rio: Seminário Internacional 1964+60.
OPORTUNIDADES
Há vagas de concursos para o Instituto Federal Farroupilha (RS), para a Prefeitura Municipal de São Luiz Gonzaga (RS), para a Prefeitura de Araraquara (SP).
Estão abertas as inscrições para o Programa de Pós-Graduação em Gestão Arquivística de Informação e Dados (FESPSP) e para o curso Memória e Patrimônio: conceitos e reflexões (FGV).
MUNDO
O Ararat-Eskijian Research Center da Califórnia (EUA) embarcou em um ambicioso projeto para preservar e digitalizar o extenso arquivo do professor Vahakn N. Dadrian, um dos principais pesquisadores do genocídio armênio. A ideia é tornar disponível o arquivo deixado pelo professor.
O Congresso da Espanha formou maioria para voltar a discutir uma reforma da Lei de Segredos Oficiais de 1968, considerada um dos maiores entraves para o acesso à informação no país. Os debates devem se estender ao longo do ano.
O serviço regional de arqueologia da França digitalizou uma imensidão de registros deixados por Georges Jelski, cineasta e arqueólogo. Os documentos, salvos da destruição, agora podem ser consultados no portal archipop.
PARA LER COM CALMA
Sete vídeos sobre como fazer manuscritos medievais (em inglês, via Medievalists.net).
Os arquivos ucranianos seguem adiante com seu projeto de digitalização de emergência em meio à crise (em espanhol, via ICA).
PARA VER COM CALMA
Repositórios Digitais Confiáveis - Dr. David Giaretta (via CIASC).