Tomado por goteiras e infiltração, Bloco F do Arquivo Nacional segue sem previsão de reforma
Ano VI – Edição 275
Nos fundos do belíssimo conjunto arquitetônico que hoje abriga o Arquivo Nacional escondem-se alguns dos maiores problemas de infraestrutura da maior instituição arquivística do país. É no Bloco F – um edifício de sete pavimentos, datado dos anos 1970 –, que importantes documentos da história brasileira coabitam com goteiras, infiltrações, mofo e até riscos futuros de colapso total. Uma realidade conhecida há mais de 20 anos e que, até agora, recebeu pouca atenção de quem dirigiu e dirige a instituição.
O Bloco F foi o primeiro edifício ocupado pelo Arquivo Nacional quando de sua mudança de sede, ocorrida em 1984. Na época, o prédio foi adaptado para receber recepção, uma sala de pesquisa, laboratórios e depósitos de documentos. Como era um edifício mais novo, foi mais fácil adaptá-lo às necessidades da instituição.
Em 2004, quando as obras de restauro da sede “histórica” do AN foram finalmente concluídas, o Bloco F já era um problema a ser enfrentado. O Giro da Arquivo teve acesso a um laudo pericial datado de 12 de abril daquele ano que mostra que, embora não houvessem falhas estruturais graves ou riscos de desabamentos e colapsos, recomendava-se que obras de recuperação da estrutura fossem realizadas o mais breve possível. “Até porque alguns [problemas] se agravam com o tempo, tornando as obras de recuperação cada vez mais caras quanto mais forem adiadas” – completava o documento.
Apesar dos alertas, nenhuma reforma estrutural foi feita no prédio. Como consequência previsível, nos últimos anos o Bloco F tornou-se um dos principais problemas do Arquivo Nacional. Em fevereiro de 2023, o edifício virou notícia, depois que uma chuva de grandes proporções inundou o pavimento mais alto do prédio – destruindo documentos com mais de 400 anos.
Um ano antes do episódio, em 2022, a empresa Geometrie Arquitetura e Engenharia foi contratada para elaborar um projeto de requalificação do Bloco F. Baseada em estudos preliminares, a empresa detectou três problemas principais na edificação: falhas na impermeabilização da cobertura e depósitos irregulares no pavimento abaixo da cobertura e no pavimento térreo. Além de propor reformas a fim de resolver os problemas detectados, o escritório de engenharia propôs a construção de uma nova edificação – com a finalidade de ampliar o espaço para guarda de documentos.
As propostas da Geometrie, no entanto, ficaram apenas no papel – ao menos por enquanto. Em abril de 2023, depois das chuvas que assolaram o Rio e provocaram uma série de danos nos documentos guardados no Bloco F, um novo laudo sobre as condições do prédio foi elaborado. O novo documento detectou que a “falta de manutenibilidade e ações indicadas corretamente no estudo realizado em 2004” não foram implementadas, “agravando os problemas e aumentando dessa forma o custo para correções”. O laudo indicou não haver danos que justificassem o embargo do prédio, mas salientou a existência de “não conformidades que precisam ser tratadas em caráter de urgência, visto o risco de dano futuro de colapso da estrutura total ou parcial”.
Na mesma época em que o laudo foi elaborado – e visando dar respostas à repercussão provocada pelas reportagens sobre a inundação do Bloco F – a atual direção do Arquivo Nacional realizou uma série de encontros com servidores. As reuniões tiveram como objetivo realizar um “levantamento para compor os projetos executivos no âmbito do Programa de Requalificação do AN (PRA)”. Nas reuniões, servidores da instituição informaram à direção que, além de reformas, era preciso tomar providências para que o acervo abrigado no sétimo pavimento do Bloco F fosse protegido. Nenhuma ação concreta, contudo, foi tomada.
Em 14 de novembro de 2023, sete meses depois dos alertas, outra chuva de grandes proporções inundou o sétimo andar do Bloco F. Quase 30 caixas com documentos foram atingidas e houve proliferação de fungos por conta da umidade causada pelas goteiras. Servidores do AN gravaram vídeos para registrar a nova inundação. Só então, diante da iminente divulgação do novo material, a direção-geral do AN decidiu esvaziar o sétimo andar do prédio, um espaço de mil metros quadrados, capaz de armazenar 50 quilômetros lineares de documentos.
Como relata um dos servidores do AN ouvido pelo Giro sob a condição de anonimato, “o sétimo andar está sem acervo, mas os depósitos continuam com problemas de infiltração, pois a cada chuva baldes precisam ser colocados para evitar que os depósitos do sexto andar, onde estão guardadas películas cinematográficas, não inundem”.
Enquanto isso, o Programa de Requalificação do AN (PRA) segue parado. Falta orçamento. Como o Giro mostrou em setembro do ano passado, a rubrica para investimentos no AN caiu quase 50% em relação a 2023. Em março deste ano, o órgão pediu ao Ministério do Planejamento e Orçamento uma suplementação de R$ 18,1 milhões para o orçamento de 2024. Na justificativa de aumento, o órgão alegou que, “devido ao extenso período sem manutenção na edificação, a cobertura, lajes, telhados e calhas [do Bloco F] estão deteriorados” e que “se faz necessário e célere o reparo e recuperação a fim de evitar prejuízos das atividades” da instituição. No mesmo documento, a direção do AN também pediu suplementação orçamentária para cumprir o acordo de cooperação técnicas firmado com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – que prevê a destinação de mais de R$ 2 milhões de reais para projetos envolvendo arquivos comunitários e consultorias.
Enquanto o dinheiro não chega – ou enquanto as prioridades da direção do Arquivo Nacional não se voltam para a própria instituição –, servidores do órgão aguardam por um desfecho razoável sobre os problemas do Bloco F. E torcem para que o pior – alertado a cada novo laudo sobre as condições do prédio – não aconteça.
#SNGA
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BRASIL
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou na quarta (24), o Projeto de Lei nº 5009/2019, de autoria do deputado Uldurico Júnior (BA), que garante medidas especiais de proteção aos trabalhos realizados em arquivos, bibliotecas, museus e centros de documentação.
O Conselho Nacional de Arquivos voltou a se reunir na última quarta (24). A reunião previa uma longa pauta, mas se ateve apenas aos documentos do acordo de cooperação técnica firmados entre o Arquivo Nacional e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) – divulgados pelo Giro da Arquivo no final de março. Conselheiros da sociedade civil demonstraram preocupação com os termos do acordo – que trata o CONARQ como objeto direto – e reclamaram do fato de até hoje o documento não ter vindo à público de maneira oficial. Como sempre, a presidência do Conselho – com o autoritarismo que lhe caracteriza – se irritou com os questionamentos.
Três membros do CONARQ – todos ligados às instâncias de governo – foram substituídos na semana passada. Um dos conselheiros substituídos, vinculado à Secretaria-Geral da Presidência da República (PR), manifestou contrariedade com o fato de seu substituto não ser vinculado ao setor de Documentação da PR. Por detrás do discurso de fortalecimento da participação social, quem se fortaleceu mesmo foi o governo.
Daquelas notícias que mais trazem mais dúvidas do que certezas. A Câmara dos Vereadores de Foz do Iguaçu (PR) contratou um serviço terceirizado para “otimizar espaço com a digitalização de arquivos”. De acordo com o presidente do Legislativo municipal, a Câmara utilizava “duas salas alugadas para guardar as pastas com esses arquivos em papel”. Agora – diz o vereador – “eliminamos a necessidade desse aluguel e demos a destinação adequada aos documentos”. Só faltou dizer qual foi a destinação…
AGENDA
Hoje, às 15h, acontece a live “Memória e história: potências e tensões nos usos de acervos privados”, que lança mais uma edição da revista Acervo.
#TEMNAPAB
MUNDO
O Conselho Internacional de Arquivos (ICA) publicou uma contundente nota de preocupação sobre as medidas tomadas pelo governo de Javier Milei a respeito dos arquivos do Ministerio de Defensa da Argentina. No documento, o ICA tratou a decisão de Milei – que cancelou os contratos dos funcionários que atuavam em projetos nos arquivos – como um “retrocesso enorme na possibilidade de buscar a verdade e a justiça” no país.
A Biblioteca Nacional da França colocou em quarentena quatro livros do século XIX que podem estar contaminados por arsênico. A ideia é analisar se os produtos químicos utilizados nas capas das publicações ainda podem causar danos aos usuários.
Nos Estados Unidos, a pauta é a preservação de jogos de video game. A Entertainment Software Association, que reúne criadores de games, continua sem participar de esforços coletivos para preservar arquivos dos jogos, mas o Escritório de Direitos Autorais a Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos está analisando a possibilidade de conceder benefícios a pesquisadores que quiserem acessar jogos arquivados.
A Human Rights Watch anunciou que vai divulgar uma série de arquivos sobre o genocídio ocorrido em Ruanda, em 1994. A ideia é alertar o mundo sobre os crimes que assolaram o país.
A presidenta do Kosovo, Vjosa Osmani, acusou a Sérvia de descumprir acordos para a abertura de arquivos que podem ajudar na investigação sobre pessoas desaparecidas à força durante a guerra entre os dois países – ocorrida no final dos anos 1990. A denúncia foi feita na semana passada.
PARA LER COM CALMA
Mais de mil novos registros do sistema solar estavam escondidos nos arquivos do Hubble (em inglês, via Science Alert).
Novo Arquivo Colonial do Peru: um cofre moderno para tesouros atemporais (em inglês, via LatinAmerican Post).
Como o arquivo do chefe da Falange acabou se transformando em um romance (em espanhol, via Sevilla El Diário).
Guardião da Memória: a Importância do Arquivo Público Mineiro na Preservação da História e Identidade de Minas Gerais (via Itatiaia).
Nem o Vesúvio destruiu: papiros podem revelar sepultura do filósofo Platão (via UOL).
PARA VER COM CALMA
Arquivo Público do Paraná completa 169 anos com mais de 100 mil documentos (via TV Paraná Turismo).