Acordo de cooperação prevê que Arquivo Nacional gastará mais de dois milhões com arquivos comunitários e consultorias
Ano VI – Edição 270
Na última sexta (22), o Giro da Arquivo teve acesso à íntegra do processo que levou ao acordo de cooperação entre o Arquivo Nacional (AN) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), assinado em janeiro deste ano. Em fevereiro, o Giro já havia obtido – via LAI – um extrato do acordo. A documentação acessada na última semana, entretanto, detalha os planos do Arquivo Nacional para os mais de 1 milhão de dólares obtidos junto ao MGI – e que serão repassadas ao PNUD até 2027.
O acordo prevê quatro produtos e 22 atividades a serem realizadas entre os anos de 2024 a 2027. O produto mais oneroso, intitulado “Política Nacional de Arquivos fortalecida a partir dos resultados de processos de participação social”, prevê um custo total de 535 mil dólares (cerca de 2,6 milhões de reais) e parte de um equívoco básico que vem sendo reforçado pela direção do AN: a ideia de que há uma política nacional de arquivos vigente no Brasil. O produto prevê a realização da II Conferência Nacional de Arquivos e propõe três atividades de consultoria diretamente relacionadas a melhorias no Conselho Nacional de Arquivos. Um detalhe importante: as atividades previstas não foram debatidas no próprio Conselho.
O segundo produto do acordo é intitulado “Estratégia de territorialização da Política Nacional de Arquivos implementada – Caravana da Promoção dos Arquivos e da Memória”. Ao todo, são previstas cinco atividades, incluindo um projeto piloto de caravana que percorrerá as 27 capitais de estado – e custará 180 mil dólares (cerca de 896 mil reais). Neste produto, estão previstos dois mapeamentos: um para arquivos públicos estaduais e municipais e outro para “arquivos comunitários” – ambos ao custo de 20 mil dólares (quase 100 mil reais) cada.
Os “arquivos comunitários”, pauta prioritária da atual direção do AN e presidência do Conarq, levam outros 150 mil dólares (cerca de 750 mil reais) no produto 3, intitulado “Estratégia de fortalecimento de arquivos comunitários”. Dentre as atividades deste produto, estão o “desenho de proposta de articulação em rede entre arquivos comunitários”, o “estudo sobre a incorporação de arquivos comunitários na política nacional de arquivos” e um “projeto piloto de programa de apoio para pequenos projetos de arquivos comunitários”.
No projeto proposto, o Arquivo Nacional diz estar engendrando “esforços inéditos do Estado brasileiro para integrar à PNAPP [Política Nacional de Arquivos Públicos e Privados] iniciativas de memória de segmentos historicamente negligenciados”. O documento descreve os arquivos comunitários como “equipamentos que têm origem na preocupação de grupos sociais com os próprios registros históricos e são estratégicos para a identidade, empoderamento e visibilidade social”. Em outra passagem do projeto, o AN afirma que, “embora a preservação de acervos seja uma competência de suma importância no rol das atribuições das instituições arquivísticas, seu principal propósito é o de servir como instrumento de pesquisa para a sociedade”. A gestão de documentos públicos – principal razão de ser do Arquivo Nacional, conforme a lei de arquivos – praticamente não é citada nos documentos da proposta – e nem aparece no escopo dos produtos e das atividades elencadas pelo projeto.
Do total de U$ 1.034.250 (cerca de 5,1 milhões de reais) do projeto, quase 1 milhão constam como destinados a atividades vinculadas aos arquivos comunitários. Mais de 1,6 milhão de reais aparecem como dirigidos a atividades de consultoria. Não há maiores informações sobre como e quem serão os consultores contratados.
Quase todas as atividades previstas no projeto – mesmo as que merecem os maiores elogios – extrapolam a competência do Arquivo Nacional. Mais do que isso: os produtos e atividades previstas relacionam-se integralmente às competências do Conarq – a quem cabe definir a política nacional de arquivos. O Conselho aparece junto ao AN como “diretor/a nacional do projeto”, mas até hoje pouco soube a respeito dos produtos e atividades do acordo. Em dezembro de 2023, o Conarq recebeu Ismália Afonso da Silva, representante do PNUD que explicou, em linhas gerais, do que se tratava o acordo. Até hoje, entretanto, os conselheiros não receberam o plano de trabalho, o orçamento detalhado e o teor das atividades a serem realizadas.
Para acessar a íntegra dos documentos obtidos pelo Giro da Arquivo clique aqui.
#SNGA2024
A Conferência de encerramento do IV SNGA, tem como tema “Fronteiras da governança arquivística no Brasil: entre governos e desgovernos dos arquivos”. Discutirá as perspectivas teóricas e práticas da noção de governança arquivística, ampliadas nos últimos anos, sinalizam desafios à pesquisa e gestão dos arquivos. No contexto brasileiro, trata-se de uma noção a ser visualizada tendo em vista diversos fatores. Um deles incide diretamente no desenho e operacionalização da governança arquivística: os padrões de governo dos arquivos públicos.
Acesse o site e saiba mais.
BRASIL
A Comissão de Coordenação do Sistema de Gestão de Documentos e Arquivos (CCSiga), presidida pelo Arquivo Nacional, realizou sua primeira reunião em dois anos na sexta (15). De acordo com nota publicada pelo AN, na reunião foram apresentados dois estudos recentes, o “Levantamento da Situação Arquivística” (LSA) e o “Índice de Maturidade em Gestão de Documentos” (iMGD). Mas a notícia acaba por aí mesmo. Quem quiser ter acesso aos estudos, que os peça via LAI. Vamos bem de transparência…
Aliás, no site da CCSiga, nem a nominata atualizada dos membros da comissão está disponível.
Ainda o AN: na abertura do Encontro Latino-Americano sobre Igualdade de Gênero na Administração Pública, realizado na última segunda (18), a ministra da Gestão e Inovação, Esther Dweck, disse que a diretora do Arquivo Nacional, Ana Flavia Magalhães Pinto, está sofrendo “ataques sem sentido por simplesmente ser uma mulher negra ocupando um espaço de poder”. A fala gerou uma série de comentários preconceituosos, mas também recebeu severas críticas da comunidade arquivística – que reconhece a importância da representatividade da diretora, mas nem por isso deixa de destacar o autoritarismo, a falta de transparência e o pouco diálogo com a área, marcas maiores de sua gestão.
De acordo com um levantamento publicado pelo Estadão, no ano passado, o governo Lula negou mais de 1300 pedidos de acesso à informação sob a justificativa de proteção de dados pessoais. A Controladoria-Geral da União contestou o número.
O Governo do Ceará anunciou uma “requalificação” de seu Arquivo Público. Na mesma semana, o governo também publicou uma nota pública a respeito de uma decisão do Ministério Público do Estado, que recomendou a devolução de documentos recolhidos dos cartórios de todo o Ceará.
Por falar em instituição arquivística, o Arquivo Público do Estado do Espírito Santo foi transferido para a Secretaria de Estado da Gestão e Recursos Humanos e elevado à condição de autarquia. Ponto para o Estado.
O Supremo Tribunal Federal ordenou que o Superior Tribunal Militar libere o acesso total às gravações de julgamentos da ditadura.
O acervo da ativista e filósofa Lélia Gonzalez (1935-1994) está sob disputa judicial. Os sobrinhos de Lélia querem doar o material para a Fundação Getúlio Vargas (FGV), mas quem cuida do acervo é o Ilê da Oxum Apará.
E foi lançado ontem (25) o portal do X Congresso Nacional de Arquivologia.
OPORTUNIDADES
Estão abertas as submissões para o próximo número de Archeion.
MUNDO
A UNESCO incorporou o arquivo audiovisual "Mujeres y Dictadura en Río Negro”, da Argentina, no Registo da Memória do Mundo para a América Latina e Caribe.
Por falar em Argentina, 26 anos após a sua criação, o Centro de Documentación de Cultura de Izquierdas (CeDInCI) está em risco. O governo de Javier Milei, inimigo declarado da esquerda no país, retirou o subsídio estatal de 250 mil pesos que ajudava a manter o centro.
O Archivo Historico de Trinidad, em Cuba, um dos mais antigos do país, vive estado de profunda calamidade. Segundo funcionários da instituição, as péssimas condições de preservação e conservação dos documentos já afetam até mesmo a oferta de serviços mais básicos.
Aliás, não é só desse lado do oceano que as coisas vão mal… O arquivo municipal de Burriana, na Espanha, também pede socorro. Os riscos de desabamento levaram a administração do ajuntamento a decidir pelo fechamento do prédio.
PARA LER COM CALMA
Um site permite navegar por todos os documentos e livros de Darwin (em espanhol, via Clarín).
Como as agências devem se preparar para o prazo da NARA para digitalizar registros federais (em inglês, via FedTech).
Biblioteca subterrânea reúne arquivos de fenômenos paranormais na Suécia (via O Dia).
‘Para Lennon e McCartney’ ganha nova versão na voz de Elis Regina (via Correio).
PARA VER COM CALMA
Oswaldo Cruz Digital: experiências em digitalização de arquivos (via Casa de Oswaldo Cruz).