Dia Internacional dos Arquivos: refletir é preciso
Giro da Arquivo #331 – É tempo de festejar, mas também de pensar criticamente
Ontem, 9 de junho, o mundo comemorou o Dia Internacional dos Arquivos. A data faz parte do calendário da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) e reverencia o Conselho Internacional de Arquivos (ICA), criado no mesmo dia, em 1948.
De acordo com o ICA, mais de 300 instituições promoverão ou participarão de atividades relacionadas à Semana Internacional de Arquivos (IAW2025), ação capitaneada pelo conselho e que, há anos, busca chamar a atenção de governantes, organizações sociais e cidadãos para a importância dos arquivos. Em 2025, a IAW2025 teve como tema o mote “Arquivos são Acessíveis”.
No Brasil, pelo terceiro ano consecutivo, a Semana Nacional de Arquivos não segue a temática global. Para 2025, o Arquivo Nacional, autoproclamado organizador da Semana, elegeu como temática “Mudanças climáticas: preservação e acessibilidade”. Além do apoio às dezenas de atividades realizadas em todo o país, a instituição também promove – até sexta – uma programação própria, realizada na sede do AN, no Rio, e na Superintendência de Brasília.
As temáticas internacional e local, apesar de discrepantes, nos permitem boas reflexões sobre o lugar dos arquivos no Brasil de hoje. Por um lado, o mote proposto pelo ICA nos permite pensar no desafio da acessibilidade, tão antigo, quanto difícil para as instituições brasileiras. Rebaixadas institucionalmente, com orçamentos pífios, desprovidas de recursos humanos e cada vez mais alheias à gestão de documentos (respeitadas as louváveis e escassas exceções), as instituições arquivísticas públicas brasileiras têm sido atacadas em sua essência e, em muitos casos, desde dentro: não priorizam a gestão de documentos da administração pública; seguem dirigidas para serem arquivos históricos; são incapazes de fazer frente à desenfreada terceirização; vivem imersas em projetos distantes de suas missões institucionais; não recolhem documentos; e dão acesso limitado. Fazem, em suma e a partir do tema proposto pelo ICA, com que nos perguntemos: afinal, nossos arquivos são acessíveis?
Por outro lado, em se tratando dos desafios trazidos pelas chamadas mudanças climáticas, seguimos imersos em profunda letargia. Como refletimos nas últimas semanas, o Rio Grande do Sul – epicentro da mais recente, mas não última tragédia climática brasileira – até hoje não sabe quantos arquivos foram atingidos pelas inundações de 2024. O Conselho Nacional de Arquivos – a quem cabe zelar pelo cumprimento da Constituição no que diz respeito aos acervos arquivísticos, estimular a preservação de documentos públicos e recomendar providências para a apuração e a reparação de atos lesivos à política nacional de arquivos – até hoje não se manifestou publicamente sobre o que aconteceu no estado.
Enquanto isso, avançam pautas exóticas aos arquivos públicos brasileiros. A privatização, nesse sentido, campeia: tanto pela voracidade com que empresas de guarda e digitalização de documentos avançam por sobre os arquivos públicos, quanto pela insistência de algumas instituições em dar prioridade aos arquivos privados (rotulados por terminologias progressistas, apresentadas sem qualquer profundidade teórica por velhos-novos especialistas de plantão).
O Dia Internacional dos Arquivos poderia ser de júbilo. A realidade, contudo, nos obriga à reflexão crítica – uma vez mais. Como já dissemos tantas e tantas vezes, o Giro da Arquivo é um projeto de extensão universitária, faz parte das atividades de um grupo de pesquisa em políticas públicas arquivísticas e acredita na Arquivologia. Talvez fôssemos mais simpáticos se aderíssemos ao clima de festa, mas isso significaria abandonar nossa capacidade crítica e reflexiva. Mais do que isso: representaria aceitar como verdadeira a propaganda oficial sobre os arquivos, via de regra fundamentada em um discurso cada vez mais distante da realidade.
Se queremos que arquivistas sejam capazes de refletir e lutar pelo fortalecimento das instituições arquivísticas, é nosso papel contribuirmos para isso. É o que temos buscado fazer. Seja no Dia Internacional dos Arquivos, seja em todos os demais.
Outros destaques
A morte de Luana Rios Maurício Oliveira, estudante de Arquivologia da Unirio, provocou comoção e revolta na semana passada. Luana era estagiária da Telos – Fundação Embratel de Seguridade Social, empresa vinculada à Claro. Em janeiro deste ano, ela descobriu um câncer no cérebro e passou a tratar a doença utilizando o plano de saúde a que tinha direito como estagiária. No entanto, em abril, a Telos demitiu Luana, fazendo com que ela perdesse o direito ao benefício em pleno tratamento. A estudante chegou a propor à empresa que mantivesse o plano e que ela própria, mesmo com recursos limitados, seguiria pagando pelo serviço. A Telos e o Centro de Integração Empresa Escola (CIEE), intermediário do estágio, não aceitaram a proposta. A família da jovem pretende acionar a Telos criminal e judicialmente. Na semana passada, o CAArq da Unirio publicou uma nota de repúdio sobre o caso. De acordo com o centro acadêmico, a Telos “demonstrou total insensibilidade, indiferença e desumanidade ao priorizar a contenção de custos em detrimento da vida de uma jovem”.
Anunciada há um ano pelo governo Lula como ação em prol de arquivistas, museólogos e bibliotecários, a lei que abriu o caminho para a concessão de condições especiais de segurança e saúde aos profissionais da área segue sem regulamentação por parte do Ministério do Trabalho e Emprego. A regulamentação depende apenas do Poder Executivo para avançar, mas até hoje está parada no MTE.
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🔰 Brasil
Bahia: Prefeitura de Guanambi modernizará Arquivo Público em parceria com a Arquivo Público do Estado da Bahia/Fundação Pedro Calmon. (Prefeitura de Guanambi)
Rio Grande do Sul: Vereadora denuncia descaso com acervo do Centro de Referência do Negro em Porto Alegre. (Sul21)
Brasília: Autoridade Nacional de Proteção de Dados abre Tomada de Subsídios sobre Tratamento de Dados Biométricos. (ANPD)
Pernambuco: Desenho antigo que mostra holandeses sendo expulsos é descoberto. (Folha de S. Paulo)
São Paulo: São Paulo: CGM publica Relatório Anual da Lei de Acesso à Informação. (Prefeitura de São Paulo)
📆 Agenda & Oportunidades
Confirma a programação da Semana Nacional de Arquivos e da Semana Internacional de Arquivos.
10 a 13/06: VII Seminário Internacional de Preservação Digital (SINPRED).
13/06, 16h, no Rio: Lançamento da Política de Preservação Digital da Fundação Casa de Rui Barbosa.
11/06 a 2/07, em Porto Alegre: 5º Ciclo de Seminários Arquivos, Memória e Direitos Humanos.
Concurso Público Docente UFRGS - Área: Arquivologia. Inscrições abertas até 25/06.
O prazo para inscrição no processo seletivo para discentes do PPGCI da FURG foi prorrogado. A nova data limite é dia 15 de junho.
🌎 Mundo
Vaticano: Igreja restaurará e digitalizará mais de 80.000 manuscritos de sua biblioteca com tecnologia de última geração. (Diario El Norte)
Argentina: Mais de 200 documentos históricos foram recuperados para o Arquivo Geral da Nação. (El Once)
China: Gabinete do Provedor de Justiça define um novo ano zero ao remover relatórios do site. (My News)
Espanha: Dez dias depois, a Câmara Municipal de Santander não esclarece por que havia documentos no lixo. (El Diario Montanes)
📰 Para ler com calma
Wipe Out - Quando a BBC continuou apagando sua própria história. (GetPocket)
O misterioso pergaminho que é o texto mais antigo da lingua portuguesa já descoberto. (Revista Fórum)
A história contada com fotos em preto e branco: um arquivo colaborativo reconstrói o passado da Argentina. (El País)
O agente da KGB que traiu a URSS e passou segredos para a Grã-Bretanha. (Telegraph)
📺 Para ver com calma
Arquivística e gestão documental na América Latina: Experiências do México e da Bolívia. (Projeto SESA on-line)