Os ataques de Trump ao Arquivo Nacional dos Estados Unidos
Giro da Arquivo #317 | Estadunidense quer diretor "leal" na direção da principal instituição arquivística do país
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, deu início a uma verdadeira onda de ataques contra o National Archives and Records Administration (NARA), o Arquivo Nacional do país. No dia 07 de fevereiro, Trump demitiu a arquivista nacional (denominação dada à chefe do NARA), Colleen Joy Shogan, que ocupava o cargo desde maio de 2023. Formada em Ciência Política com doutorado em Filosofia, Shogan havia sido indicada por Joe Biden e aprovada pelo Senado estadunidense em fevereiro de 2023 – após duas exaustivas sabatinas, conforme a legislação do país.
Primeira mulher a dirigir o NARA, a arquivista foi demitida sem motivação oficial – o que contraria a lei federal que regula a matéria. De acordo com a legislação norte-americana, Trump deveria ter comunicado a demissão ao Congresso, expondo as justificativas do ato.
Em uma publicação na rede social Linkedin, Colleen Shogan disse que não foi avisada sobre os motivos que levaram à demissão, mas que sai do cargo com “zero arrependimentos”, pois tem convicção de que fez “o melhor pelo Arquivo Nacional e pelo povo americano”.
A Society of American Archivists (SAA), entidade que representa os arquivistas nos Estados Unidos, criticou o ato de Trump. Em nota, a SAA declarou estar “alarmada com a demissão da Arquivista dos Estados Unidos”. A associação afirmou, ainda, que a remoção de Shogan, “sem causa declarada, prejudica nossa nação e seu povo”. A American Historian Association (AHA), que congrega os historiadores estadunidenses, também se manifestou contra a decisão de Trump. De acordo com a entidade, “a democracia se assenta no Estado de Direito e a história dos Estados Unidos repousa sobre o acesso irrestrito aos arquivos”. A AHA pediu que o governo publique a justificativa da demissão de Shogan.
Depois do desligamento da arquivista nacional, outros vários funcionários do NARA renunciaram a seus cargos. O arquivista interino, William J. Bosanko, e o inspetor-geral do órgão, Brett M. Baker, decidiram pedir aposentadoria em meados de fevereiro. De acordo com o jornal The Washington Post, os desligamentos se deram depois que funcionários ligados ao gabinete de Trump deixaram claro que querem remover a equipe de liderança do NARA, substituindo-a por indicados leais ao governo.
Depois das demissões, Trump usou sua rede social para indicar que o próximo arquivista nacional poderá ser Jim Byron, CEO da Fundação Richard Nixon, reduto conservador do entorno de apoio ao presidente.
A ira de Trump contra o National Archives and Records Administration começou em 2022, quando a instituição solicitou a devolução dos documentos públicos que o presidente levou para sua própria casa ao final do mandato. Durante as investigações sobre possíveis crimes cometidos por Trump em seu primeiro mandato, o NARA solicitou ao FBI que investigasse o possível roubo de documentos públicos por parte do então ex-presidente. Na época, a investigação levou a uma incursão na casa de Trump, de onde foram retiradas quinze caixas contendo documentos confidenciais do governo.
Colleen Shogan não era diretora do NARA quando a operação começou. Mesmo assim, Trump passou a considerá-la como parte da trama. Depois de vencer as eleições, o processo de investigação sobre o furto dos documentos foi encerrado. Na última sexta, 01, o Departamento de Justiça devolveu as caixas de documentos apreendidas. Em mais uma manifestação através de suas redes, o presidente dos EUA comemorou o desfecho do caso: “O Departamento de Justiça acaba de devolver as caixas. Elas estão sendo trazidas para a Flórida e um dia farão parte da Trump Presidential Library. A justiça finalmente venceu. […] Isso foi apenas um ataque a um oponente político que, obviamente, não funcionou bem”, escreveu.
Atenta à escalada autoritária de Trump, a Freedom of Press Foundation declarou que as demissões no NARA podem degradar a capacidade da instituição para manter os registros do governo e privar o público de acesso aos documentos mais importantes da nação. A nomeação do CEO da Fundação Nixon – que, segundo a Freedom of Press, foi criada para manter o legado de um presidente que lutou para manter suas decisões escondidas do público – e a possibilidade de que nomes como o radialista conservador Hugh Hewitt, ou o repórter de extrema direita, John Salomon, assumam o cargo, atenta contra a ideia de que o NARA seja dirigido por figura apartidária e com qualificação.
Outros destaques
A Controladoria-Geral da União (CGU) deu mais um passo na estruturação da Rede Nacional de Transparência e Acesso à Informação (RedeLAI), originalmente lançada em maio de 2024. No último dia 24, o Regimento Interno da rede foi publicado. A partir de agora, além de estados e capitais, outros municípios e também organizações da sociedade civil também poderão compor a estrutura.
Apesar do discurso de valorização, o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos deu mais um passo no caminho de enfraquecimento do Arquivo Nacional no que diz respeito à gestão dos documentos do Executivo Federal. Em 24 de fevereiro, o MGI publicou a Portaria nº 1.172, que “institui a gestão documental, o Sistema Eletrônico de Informações - SEI/Colaboragov e os meios oficiais de publicação de atos internos no âmbito do Centro de Serviços Compartilhados”. De acordo com a portaria, cabe ao Colaboragov a promoção da gestão de documentos e a padronização de seus procedimentos. Ao AN, agora sob nova direção, restou apenas a função de “orientar” o processo.
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🔰 Brasil
Santa Catarina: em Balneário Camboriú, prefeitura dá primeiro passo para digitalização de arquivos. (Folha do Estado)
Minas Gerais: situação crítica do Arquivo Público de Divinópolis é exposta por vereadora. (Divinews)
São Paulo: acervo de Inezita Barroso começa a ser organizado no Instituto de Estudos Brasileiros da USP. (Jornal da USP)
Brasília: órgão clandestino do Itamaraty monitorou 17 mil pessoas na ditadura, revelam pesquisadores. (O Globo)
📆Agenda & Oportunidades
10/03 a 14/04, no Rio: Ciclo de Palestras “Rio, 460 anos”.
Até 07/03: limite de submissão de trabalhos para o Seminário Internacional de Preservação Digital (SINPRED), promovido pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciências e Tecnologia.
Até 11/03: estão abertas as inscrições para processo seletivo de estagiários na Prefeitura de Porto Alegre. As inscrições e processo seletivo é realizado pelo CIEE. Vagas para estudantes de Ensino Médio, Arquivologia, Biblioteconomia, História e outros cursos de nível superiores.
Concurso com vaga para arquivista na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Inscrições: 10 de março a 06 de abril de 2025.
🌎 Mundo
Colômbia: Arquivo Histórico de Antioquia está em risco. Deterioração e abandono são denunciados. (El Colombiano)
Espanha: a insólita marca documental de mais de 300 pessoas fusiladas pelo franquismo. (El País)
Porto Rico: Comissão de Governo recomenda nova lei para conservação de documentos públicos. (Microjuris al Día)
Estados Unidos: fotos raras de soldados turcos na Guerra da Coreia vêm à tona nos arquivos dos EUA. (Daily News)
📰 Para ler com calma
Quem mandou deletar arquivos em Diadema? (Diário do Grande ABC)
Legado em preservação: Notre Dame protege manuscritos insubstituíveis. (University of Notre Dame)
Jovem de Pomerode reúne coleção de calendários em tecido: ‘Preservando e resgatando histórias’. (ND+)
📺 Para ver com calma
Records in Contexts (RiC): un nuevo marco normativo para la descripción archivística. (Biblioteca Educación UCR)