Estimado leitor,
Prezada leitora,
Muita gente não sabe, mas o Giro da Arquivo é um projeto de extensão registrado junto ao Departamento de Arquivologia da Universidade Federal de Santa Maria. Nossa equipe, portanto, vive e trabalha na região central do Rio Grande do Sul, um dos epicentros da catástrofe que atinge o Estado desde sábado, 27 de abril.
Estamos todos bem, mas alquebrados. O que aconteceu no Rio Grande do Sul não tem precedentes. Até o fechamento desta edição, a inundação causada pela grande quantidade de chuva que caiu sobre o RS durante toda a semana passada já havia matado 82 pessoas. 108 seguem desaparecidas. 115 mil foram desalojadas de suas casas. O número de atingidos supera os 800 mil. Das 497 cidades gaúchas, 335 sofreram algum tipo de dano. Algumas foram completamente destruídas.
Como parte de nossa equipe está envolvida em ações solidárias, nesta semana circularemos em uma versão reduzida, apenas com a repercussão da tragédia nos arquivos, alguns compromissos assumidos com nossos parceiros e um “Para ver com calma” muito especial, transmitido em nosso canal no YouTube – e que, em virtude do caos, não pudemos repercutir adequadamente.
Na semana que vem, voltamos à programação normal.
Antes que passemos à edição da semana, dois recados importantes. O primeiro é sobre porque decidimos falar de arquivos em um momento tão delicado, quando nada parece (e nada é) mais importante do que o resgate dos desaparecidos e a reconstrução da vida de quem perdeu tudo. Cá no Giro acreditamos nos arquivos como parte essencial da vida humana. Eles podem ser memória e patrimônio, mas são, antes de tudo, chaves para assegurar direitos. E vão fazer muita falta onde foram perdidos. Como uma escola poderá garantir um certificado de conclusão de curso a quem dele precisará no futuro? Como um hospital retomará atendimentos de qualidade sem prontuários de paciente à disposição? Como a aposentadoria de trabalhadores será afetada pela ausência de seus registros? A perda dos arquivos é a consequência de longo – longuíssimo! – prazo da tragédia. Ainda é cedo, mas precisamos falar disso.
O segundo recado é sobre como você pode ajudar a reconstruir o Rio Grande do Sul. Não faltam meios – e entendemos que todos eles são válidos –, mas o portal UOL resumiu os principais. Se puder, ajude.
A equipe.
A maior tragédia da história do Rio Grande do Sul atingiu, também, dezenas de bibliotecas, museus, centros de memória e, claro, arquivos. Ainda não foi possível contabilizar os estragos e perdas, já que todos os esforços estão voltados para salvar vidas. Mas já há informações preliminares sobre perdas irreparáveis. E, onde as condições permitem, alguns trabalhos já começaram.
As enchentes iniciaram no sábado (27), primeiro no vale do Rio Pardo, na região central do Estado. Na terça (30), o excesso de chuva elevou o nível dos rios situados nas cidades próximas a Santa Maria, derrubando pontes, levando estradas e causando as primeiras mortes. Na quinta (2), o rio Taquari passou dos 30 metros de altura e atingiu cidades da região de Lajeado e Estrela. No dia seguinte, sexta (3), a elevação das águas deu início a uma inundação de grandes proporções em Porto Alegre e região metropolitana. No domingo (5), o rio Guaíba alcançou a marca dos 5,36m, superando o nível histórico de 4,77m (registrado em 1941). Parte da cidade precisou ser evacuada. Mais de 80 pessoas morreram em todo o Estado.
Em Santa Maria, ainda na terça (30), uma imagem chocou a comunidade arquivística brasileira. O setor de arquivos permanentes do Departamento de Arquivo Geral da Universidade Federal de Santa Maria, situado no subsolo do prédio da reitoria da instituição, foi tomado pelas águas depois que um córrego transbordou. A água tomou conta do local em questão de minutos e chegou a 1,90m de altura. Oito mil caixas contendo documentos datados dos últimos 60 anos foram atingidos.
No mesmo dia, o Museu Estadual do Carvão, situado no município de Arroio dos Ratos (a cerca de 50km de Porto Alegre) foi submerso pela inundação. Uma das instalações atingidas foi o prédio que guarda o Arquivo Histórico da Mineração, um conjunto de duas mil caixas com documentos datados desde 1891 – e que há pouco haviam passado por um minucioso processo de tratamento. A água ultrapassou a marca de 1,50m e não baixou desde então. Até o fechamento desta edição, ninguém havia conseguido chegar próximo ao local.
No Centro de Porto Alegre, inundado por conta da cheia do rio Guaíba, não há relatos de prejuízo. A Coordenação de Gestão Documental da Prefeitura de Porto Alegre, situada em uma das ruas onde a água ultrapassa a altura de um metro, informou ao Giro que todo o acervo fica localizado em um andar alto. É a mesma situação do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, que não registrou maiores incidentes. Em nota, a Secretaria da Cultura do Estado afirmou que “em atendimento a protocolos de segurança, as equipes dessas instituições [Museu de Arte, Casa de Cultura, Museu da Comunicação e Arquivo Histórico, entre outras] movimentaram os acervos e realizaram ações para preservação do patrimônio e da vida dos trabalhadores dos espaços”. A SEDAC, no entanto, não se manifestou sobre a situação do Museu Estadual do Carvão. O Arquivo Público do Estado, vinculado à Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão, emitiu uma nota de solidariedade às instituições atingidas e se colocou à disposição para os trabalhos de recuperação.
Na UFSM, a operação de retirada do arquivo atingido pela inundação começou ainda na terça. A reitoria da universidade contratou caminhões que realizaram a sucção da água do local e militares do Exército ajudaram no deslocamento de parte do acervo. Uma equipe com quase 300 voluntários – formada por professores, discentes e técnicos da universidade – trabalha desde quarta (01) na triagem, na retirada das estruturas de acondicionamento e no ensacamento de parte da documentação – que já começou a ser congelada. A corrida contra o tempo é para evitar que os documentos entrem em processo de fungamento.
Ainda na quarta (01), o Arquivo Nacional emitiu nota de solidariedade sobre o ocorrido na UFSM. A instituição afirmou que está colaborando com o processo de resgate da documentação através de orientações e da recomendação de ações emergenciais para o restauro dos arquivos. Uma equipe do AN iria a Santa Maria, mas, na sexta (3), todos os acessos à cidade (tanto por via terrestre, quanto aéreo) foram interrompidos. No mesmo dia, o Arquivo Nacional emitiu nova nota, desta vez em apoio às instituições afetadas pelas chuvas em todo o Estado.
A Associação dos Arquivistas do Estado do Rio Grande do Sul (AARS) e o Fórum de Ensino e Pesquisa em Arquivologia (FEPARQ) também se manifestaram sobre o ocorrido na Universidade Federal de Santa Maria. Em nota, a AARS ponderou que a catástrofe “é resultado direto da insegurança vivida pelo Arquivo Permanente do DAG-UFSM há anos” e que é urgente que “a Reitoria da UFSM aloque recursos no sentido de garantir um local seguro para a salvaguarda de seu acervo – conjunto de imensurável valor para a história e memória da universidade, da cidade e da região”.
Nas demais localidades do Estado, ainda não foi possível contabilizar as perdas. Nas regiões em que as águas já baixaram, começam a chegar informações de que restou pouco da estrutura das cidades. Informações preliminares dão conta de que em Novo Hamburgo e Montenegro, municípios próximos a Porto Alegre, importantes acervos sobre a história da região sofreram perda total. Nas cidades mais atingidas, órgãos públicos como escolas e hospitais precisarão começar os registros de suas atividades do zero. Em entrevistas na mídia local, prefeitos já afirmam haver um “apagão informacional”.
Vitimado por catástrofes sócio-ambientais cada vez mais avassaladoras, o Brasil terá de inserir a agenda da crise climática em todas as suas políticas públicas – incluindo as arquivísticas. A devastação do Rio Grande do Sul mostra que nem tudo poderá ser evitado – dadas as proporções da destruição –, mas que incidentes como os ocorridos na Universidade Federal de Santa Maria podem e devem ser previstos. Um debate urgente que também precisa ser apropriado pela comunidade arquivística.
#SNGA2024


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PARA VER COM CALMA
Trajetórias de Pesquisa em Macroarquivologia: política e governança arquivística, com José Maria Jardim.
Prezados,
Minha solidariedade pelas grandes perdas humanas e patrimoniais que Santa Maria e todo o Rio Grande do Sul têm enfrentado nesses dias.
E parabéns pela cobertura do ponto de vista das perdas arquivísticas. Raramente os profissionais de outros estados têm notícias atualizadas sobre a situação dos documentos e dos arquivos quando esse tipo de catástrofe atinge uma região.
Como foi bem colocado, à catástrofe ambiental se seguirá uma catástrofe (esperamos que de menores proporções) informacional e documental, essa de longo prazo.
Que a Arquivologia saiba se orientar para o futuro.
Um abraço apertado.