As desconfianças sobre o uso político da declaração de interesse público e social dos arquivos
Ano VI – Edição 257
Em 27 de setembro de 2023, o plenário do Conselho Nacional de Arquivos (Conarq) ouviu atentamente a leitura do parecer elaborado pela Comissão de Avaliação de Acervos Privados (CAAP), sobre o reconhecimento de interesse público e social do acervo do músico e intelectual Antonio José do Espírito Santo, mais conhecido como Spirito Santo. A data marcou a retomada de um trabalho parado por quase dois anos: desde dezembro de 2021, quando reconhecera a importância do acervo da Memória Civelli Produções Culturais LTDA., o plenário do Conarq não deliberava sobre novas candidaturas.
Após a leitura do parecer, o plenário aprovou por unanimidade a candidatura. Naquela tarde, o próprio Spirito Santo ministrava uma oficina na sede do Arquivo Nacional. Por conta do que a presidente do Conarq chamou de “feliz coincidência”, ele pôde ser avisado pessoalmente sobre o reconhecimento de seu acervo. Em nota publicada no mesmo dia, o Arquivo Nacional (e não o Conarq) divulgou que o anúncio foi um “momento de emoção”. Uma foto de Spirito Santo, ao lado da diretora do órgão, ilustrou a notícia.
Um mês depois, em 25 de outubro, o Conarq se reuniu novamente. Como na reunião anterior, os membros do Conselho foram conduzidos a uma nova análise sobre o interesse público e social de arquivo privado, desta vez o acervo do antropólogo catarinense Egon Schaden. O parecer da CAAP – que consumiu semanas de discussão, pois tratava-se de uma postulação com diversas complexidades – foi favorável ao reconhecimento da candidatura, mas faltava o julgamento pelo plenário do Conselho.
Convidados a deliberar sobre um parecer técnico, os membros do Conarq precisaram, entretanto, lidar com uma situação, no mínimo, inusitada. Pela primeira vez na história do Conselho, uma representante da candidatura foi convidada a participar da reunião, inclusive com direito de fala antes da deliberação. Tânia Welter, presidente do Instituto Egon Schaden (e quem encaminhou a candidatura) não só assistiu à reunião, como também foi convidada a se manifestar – tudo isso antes que o plenário deliberasse sobre o processo.
Ao fim, o acervo de Egon Schaden foi reconhecido como de interesse público e social pelo Conarq. Emocionada, Tânia Welter agradeceu aos membros do Conselho – que, contudo, estranharam a presença de uma representante da postulação no plenário. Ouvidos pelo Giro da Arquivo sob a condição de anonimato, pelo menos três conselheiros afirmaram que não consideraram conveniente a participação de uma representante da candidatura – aparentemente convidada pela presidência do Conselho. Para um deles, a participação de pessoas vinculadas aos acervos em análise gera constrangimento e intimida a análise técnica por parte do plenário.
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Agendada para amanhã, 6 de dezembro, a próxima reunião do Conarq deve ter na pauta uma nova discussão sobre o interesse público e social de arquivo privado. Até o fechamento desta edição (e menos de 48 horas antes da reunião), a Secretaria Executiva do Conselho Nacional de Arquivos ainda não havia divulgado a pauta de sua 107ª Reunião Ordinária, mas uma versão prévia do documento circulou pelo Whatsapp entre membros do conselho, no último final de semana. Na versão preliminar, consta, programado para às 10h, o ponto “Declaração de interesse público e social do acervo da CUT. Participação de representante da CUT (participação do sr. Adalto, responsável pelo CDOC de forma on-line e de um dirigente da CUT DF de forma presencial”.
O ponto de pauta não está nos informes e, pelo que se pode depreender do documento, o Conarq será conduzido a deliberar sobre a declaração de interesse público e social do acervo da Central Única dos Trabalhadores (CUT), desta vez com a presença não apenas de um, mas de dois representantes da candidatura.
Acontece que a candidatura do acervo da CUT já foi debatida e deliberada pelo Conarq. Há mais de dez anos, em 25 de junho de 2013, o Conselho Nacional de Arquivos discutiu o Parecer nº 19, produzido pela hoje extinta Comissão Técnica de Avaliação. Na época, a Comissão foi favorável à declaração de interesse público e social do acervo da CUT, posição que foi respaldada pelos membros do Conselho. Tudo devidamente documentado em ata, inclusive.
Para ser considerado, de fato, de interesse público e social, o acervo da Central Única dos Trabalhadores deveria ter sido objeto de declaração publicada em portaria do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Entretanto, primeiro por uma série de pequenas diligências relacionadas ao parecer do processo e, depois, pelo total desinteresse dos governos Temer e Bolsonaro em reconhecer a importância do acervo, isso não aconteceu. Há dez anos o processo de reconhecimento do interesse público e social do acervo da CUT está parado, aguardando apenas o ato oficial de declaração.
Foi por conta disso que vários integrantes do Conarq acharam estranho que a declaração esteja novamente na pauta do plenário – ainda mais com a presença de representantes da Central. Se todos os méritos do acervo já foram debatidos em 2013, se houve parecer favorável e se só falta o reconhecimento por parte da instância maior (ainda o Ministério da Justiça, já que a legislação sequer foi atualizada), porque o Conarq vai discutir novamente o caso?
Para dois dos membros do Conarq ouvidos pelo Giro, o temor é de que esteja havendo uso político do processo, já que, nos últimos meses, a CAAP aprovou vários pareceres sobre candidaturas que ainda precisam ser debatidas pelo plenário do Conselho – mas a opção da presidência do órgão foi de discutir (novamente) sobre uma postulação decidida há mais de uma década.
Além disso, as duas candidaturas analisadas pelo Conselho neste ano ainda não foram oficialmente chanceladas, nem pelo Ministério da Justiça (conforme a legislação), nem pelo Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Público (pasta que hoje abriga o Conarq). Sem a oficialização, ambas correm o risco de repetirem o mesmo caminho da declaração do acervo da CUT – o limbo.
Informe:
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Conheça os trabalhos premiados em 2º e 3º lugar na primeira edição do Prêmio da Reunião Brasileira de Ensino e Pesquisa em Arquivologia (REPARQ) 2017 na categoria melhor artigo proveniente de trabalho de conclusão de curso:
🥈2º lugar: "Antropologia das emoções em arquivos pessoais: a interdisciplinaridade como instrumento", com autoria de Camilla Campoi de Sobral da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).
"O presente trabalho busca construir um diálogo interdisciplinar entre a Arquivologia e a Antropologia das Emoções de forma a potencializar as maneiras de se pensar os arquivos pessoais. [...] Um arquivo pessoal é o registro criado por um individuo para organizar sua vida em sociedade e invariavelmente apresentará seus afetos, desafetos e expressões de sentimentos. Consideramos também, que além de abrigar as muitas personas do produtor, um arquivo pessoal é produto do contexto em que o produtor esteve inserido no momento da produção documental" (Sobral, 2017, p. 101)
🥉3º lugar: "Filmografia sobre Frei Tito: o audiovisual como documento memorialístico", com autoria de Mariana Zampier de Almeida da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).
"Buscamos entender como as produções audiovisuais que visitam a história do Frei dominicano Tito de Alencar Lima, torturado durante a ditadura civil-militar, exilado e morto por suicídio, ressignificam sua morte através de recursos inerentes da imagem e do som, e que atuam no processo de elaboração da memória do frei. [...] Identificamos nessas produções, a ressignificação de documentos de arquivo; novas verdades são colocadas sobre narrativas já existentes, contribuindo para emergência de novos olhares e testemunhos sob e sobre o passado" (Almeida, 2017, p. 122)
BRASIL
O Arquivo Nacional instaurou o Comitê de Resolução de Conflitos, iniciativa que é parte do programa Pró-Integridade, desenvolvido pelo Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI).
Ao mesmo tempo, Gecilda Esteves da Silva, atual diretora de gestão interna do órgão, foi designada como substituta eventual do cargo de Diretora-Geral do órgão. Em agosto, servidores do Arquivo Nacional a acusaram de tê-los atacado em uma reunião de trabalho.
O Movimento Associativo de Arquivistas do Paraná convocou uma assembleia geral para o próximo dia 14. Na pauta, a criação da Associação Paranaense de Arquivistas.
Os computadores da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) foram invadidos na sexta, dia 01/12. De acordo com a entidade, documentos foram furtados e até falsificados.
A Associação Mineira de Arquivistas lançou na semana passada o Amarqcast, seu podcast. No primeiro episódio do programa, a entrevistada foi a professora Leolíbia Linden (UFRGS).
O Arquivo Histórico e a Fototeca de Pindamonhangaba (SP) vão digitalizar seus documentos. O projeto será efetivado através de uma parceria entre as instituições e a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias.
O Senado Federal lançou o oitavo volume da coleção “Arquivo S”, desta vez sobre a conquista do voto feminino no Brasil.
Agenda: no dia 10, o Conselho Internacional de Arquivos celebra o Dia Internacional dos Direitos Humanos com uma palestra de Trudy Huscamp Peterson; também no dia 10, acontece a inauguração do Museu da Cultura Hip Hop RS; no dia 6, acontece a VI Jornada Archivística Virtual, promovida pela Universidad Michoacana de San Nicolás de Hidalgo (México); hoje, a partir das 10h, acontece a palestra “Luiz Gama no Arquivo: métodos e resultados de pesquisa”; também hoje, o Arquivo Nacional lança o mais novo número da revista Acervo; e, ainda hoje, acontece o seminário ArqIntegra, com a webconferência “A Arquivologia na América Latina: compartilhando vivências do XIV Congreso de Archivología del MERCOSUR (CAM)”, de Camila Lehmkuhl E, fique ligado: entre 23 e 26 de janeiro de 2024, acontece a segunda edição da Jornada de Arquivologia, Biblioteconomia e Museologia da UFAM.
Oportunidades: estão abertas as inscrições para o Programa de Capacitación en Gestión de Archivos Fotográficos.
MUNDO
A guerra consome vidas, presente e passado. De acordo com o líder do município de Gaza, Israel destruiu os arquivos centrais da cidade.
O arquivo da mais antiga associação de jornalistas latinos da Califórnia, nos Estados Unidos, foi adquirido pela biblioteca da USC (University of Southern California Libraries). Ao todo, 45 caixas com documentos acumulados desde 1972 passaram à custódia da USC.
No Alabama (EUA), um projeto de lei quer fazer com que o Departamento de Arquivos e História do Estado seja menos independente e possa sofrer mais “pressão política”.
O Royal Court Theatre, de Londres, lançou um “arquivo digital” com todas as peças apresentadas em seu palco desde 1956.
Os arquivos da Comisión de la Verdad da Colômbia foram inscritos no registro regional do programa Memória do Mundo, da Unesco. A decisão foi anunciada no final de novembro.
Na Argentina, avançam as obras do edifício que sediará o Archivo Histórico de las Madres de Plaza de Mayo.
PARA LER COM CALMA
‘Os 120 dias de Sodoma’: a história do manuscrito maldito do Marquês de Sade (em espanhol, via El Español).
Mercedes Curto: ‘A legislação espanhola deve facilitar o acesso às obras fora do circuito comercial’ (em espanhol, via Fesabid).
No premiado ‘My Egypt Archive’, Mikhail traça a história da burocracia estatal egípcia (em inglês, via Yale News).
Novo laboratório da USP estuda circulação de papeis históricos e suas mudanças ao longo do tempo (via Jornal da USP).
A voz dos alforriados: o testamento de Anna Joaquina da Silva (via Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul).
PARA VER COM CALMA
28° Encontro Paulista sobre gestão documental e acesso à informação (via Arquivo Público do Estado de São Paulo).